Telejogo Philco - Ressuscitando uma parte da História dos Videogames no Brasil

O Telejogo Philco/Ford J-100 é conhecido como o primeiro videogame fabricado no Brasil, embora existam controvérsias, uma vez que nessa época, "pongs" (como eram chamados os videogames domésticos de "primeira geração, mesmo os que não tivessem o famoso jogo "Pong" disponível no aparelho), eram comumente comercializados como kits de Eletrônica para montar, baseados em chips customizados cujo funcionamento interno era segredo industrial protegido por seus respectivos fabricantes e certamente muitos desses chips poderiam entrar no Brasil importados ou contrabandeados, de modo que existe grande probabilidade de que outros "pongs" poderiam ter sido montados e comercializados no Brasil antes do nosso famoso "Telejogo".

Aliás, a História dos "pongs" no Brasil é bastante ampla, mas praticamente sem documentação histórica organizada, devido ao péssimo hábito cultural "descartacionista" adotado no país.
Felizmente existem alguns heróicos colecionadores e aficcionados, tentando documentar essas coisas.
Um trabalho hercúleo, num país que parece fazer questão de apagar sua História tecnológica.

Lançado no Brasil em 1977, o "Telejogo Philco", como ficou conhecido, custava Cr$1590,00. Uma pequena fortuna para a época e só oferecia 3 jogos que aqui no Brasil figuraram como "Futebol", "Tênis" e "Paredão", mas idealizados como "Hockey", "Tennis" e "Handball", segundo o datasheet do principal chip do Telejogo, o National Semiconductor MM57100 "TV Game Chip".


Telejogo Philco/Ford J-100, um marco da História do Videogame no Brasil.

O preço era alto, mas bastante justificável dado o design luxuoso e o acabamento absolutamente impecáveis para um aparelho desse tipo na época, mesmo comparado a similares importados fora o "extra" da marca Philco/Ford, a mesma parceria que teve grande participação no Centro de Comando usado pela NASA nas missões Apollo, inclusive a Apollo 11 que os conspiracionistas de plantão torcem o nariz, mas que não é o foco deste blog. (Tenho um outro blog que serve para provocar questionamentos deste e de outros temas polêmicos.)

Outra curiosidade do Telejogo, é que a moldura de madeira dele era fabricado pela Vigorelli, em Jundiaí.
Uma empresa famosa na época, por máquinas de costura.



A etiqueta interna do meu Telejogo não me deixa mentir: Fabricado em 16 de fevereiro de 1978.


O meu Telejogo, eu comprei numa dessas lojas de antiguidades em 2018. Não lembro quanto paguei, mas é esse aí da foto, absolutamente impecável, sem um único risquinho.
Perfeito para um colecionador exigente como eu, mas ele não funcionava (apesar do que o vendedor disse) e eu já imaginava que ele não funcionava mesmo.

Ao chegar em casa, obviamente já partí para o famoso "smoke test" (tentativa de ligar um aparelho antigo para ver se funciona ou se sai fumaça, explode, pega fogo ou outras coisas bacanas desse tipo) e... certamente o defeito mais comum descrito por quem vende desses Telejogos nos "Mercado Livre" da vida: "O aparelho liga, mas dá tela preta".
Okay... aqui começa a nossa aventura.

Ao abrir um aparelho dessa idade, a primeira providência técnica de praxe a se fazer é trocar todos os capacitores eletrolíticos, que certamente já "secaram" com o tempo.
E nesse, tinha um que já tinha até vazado.



Capacitor eletrolítico "seco" e furado de pelo menos 40 anos.


Bom... como a troca dos capacitores não "ressuscitou" o aparelho, hora de estudar o dito cujo.

O esquema oficial do Telejogo, que se encontra no Manual de Serviço dele (mais precisamente na página 13), nomeia os principais chips com códigos de "part number" da Philco/Ford ao invés dos seus nomes originais, mas apesar de redesenhado, eletronicamente o esquema é exatamente o mesmo do "TV Game" encontrado na seção 4/39 do "1977 National MOS LSI Databook" (inclusive com a estranha curiosidade de que ele tem terra = -15V e o Vcc = 0V, o que confunde quem porventura possa esquecer que o fluxo dos elétrons é exatamente o mesmo, ou seja, "de onde há mais elétrons, para onde há menos elétrons"). E esse mesmo material, também inclui os datasheets de todos os chips do Telejogo.
A única diferença significativa entre o Telejogo e o circuito da National Semiconductor, é o cristal, que no projeto original da National Semiconductor, é de 3.579545 MHz ("NTSC"), ao invés do de 3.575611 MHz ("PAL-M") do Telejogo e certamente é o mesmo esquema para todos os videogames baseados no MM57100 como o "National Adversary" da National Semiconductor ou o "TV Jogo 3" da Superkit.


O esquema do "TV Game" da National Semiconductor (clique paa ampliar).

Estudando esse esquema aí, fica fácil (até para um leigo em Eletrônica) entender que o principal chip do Telejogo é o MM57100 "TV Game Chip".
Praticamente todo o videogame está nesse chip.
Tanto que ele não tem nenhuma entrada ou saída digital, exceto dois sinais que são gerados pelo MM53104 "Clock Driver" cuja função é pegar o mesmo sinal do circuito de clock usado no modulador de sinal de "vídeo" LM1889, e com isso, gerar dois sinais de clock complementares dessa frequência dividida por 3, ou seja, 1.1931816666666666666666666666667 MHz. (OK... Não precisamos ser tão precisos assim.)

Então, já que a minha idéia era seguir mais o esquema original da National Semiconductor do que o do Telejogo, a primeira coisa que fiz (depois de substituir todos os capacitores eletrolíticos) foi trocar o cristal por um de 3.579545 MHz. Assim, o meu Telejogo (após consertado) já poderia gerar uma imagem colorida NTSC "de verdade" ao invés do "pseudo PAL-M" (sem alternância de fase).



Um cristal moderno de 3.579545 MHz e o (enorme) original de 3.575611 MHz do Telejogo.


Para encurtar algumas semanas de quebra-cabeça, vamos resumir o problema desse e de 95% dos Telejogo (e outros "pongs" baseados nesse mesmo chipset): O famoso "defeito da tela preta".

Isso acontece porque com a idade, os capacitores eletrolíticos do aparelho perdem suas características e naturalmente tendem falhar, especialmente o C602 (1000uF/25V), causando sobrecarga no regulador de tensão LM342P-15 que superaquece. Quando isso acontece, ao invés de esse regulador de tensão deixar passar apenas os 15V necessários ao funcionamento do circuito, ele deixa passar todos os 30V da fonte, voltando a deixar passar os 15V normalmente quando ele esfria.

Só que quando ele deixa passar esses 30V, o primeiro componente que acaba queimando com essa sobrecarga é o MM53104 (o "Clock Driver"), que já não é mais fabricado desde 1979, de modo que encontra-lo hoje à venda é praticamente impossível.
Para piorar, até onde eu saiba, não existe nenhum chip equivalente no mercado.


O velho LM342P-15 que queimou o MM53104 e o moderno e confiável  L7815CV com um dissipador mais "parrudo" para garanti-lo (mas que tive de modificar para caber na placa).

Então, se você tem um Telejogo que ainda tem esse chip (MM53104) intacto, sugiro ENCARECIDAMENTE que você troque ou mande trocar todos os capacitores eletrolíticos e o regulador de tensão LM342P-15 por um mais moderno e seguro, como o L7815CV (ou equivalente), o que implica também na troca de dois capacitores que o protegem de transientes. 

São eles:

  • O C604 (originalmente de .10uF ou 100nF). Trocar por 0.22uF ou 220nF
  • Um capacitor de de 0.33uF (o meu veio com um de 22nF) não documentado no esquema do Telejogo e que (pelo menos no meu) ficava embaixo da placa, ligando os pinos 7 e 8 do MM53104. Troque por um de 0.1uF ou 100nF.

No meu, também troquei os 4 diodos da retificação do circuito da fonte, que eu não fazia a menor idéia de quais eram, por 4 diodos 1N4007, que já conheço bem de longas datas.

Com todo esse processo concluído, toda a base do circuito está revisada e confiável. Mas é agora é que começa a parte complicada: Como substituir um chip que não existe mais já que o meu Telejogo veio com o MM53104 queimado?



O finado MM53104, os poucos que ainda existem NO MUNDO hoje são os últimos sobreviventes em extinção.


Como eu já tinha espalhado esse caso do MM53104 para os grupos de colecionadores, técnicos e restauradores, cerca de 1 ou 2 meses depois, meu amigo Alexandre Souza me falou que o Neto (um desses "gênios escondidos no armário") tinha projetado um circuito para substituir o dito cujo.

Nem perdí meu tempo e já saí montando no mesmo dia!
Mas no meu caso, o circuito não funcionou.
Conversando com o Neto por e-mail, ele me deu umas dicas boas sobre questões de precisão de tensões nos chips que compunham o projeto dele e resolví usar uma versão que usa reguladores de tensão para alimentar os chips do projeto com as tensões corretas, o que "acordou" o MM57100, fazendo-o finalmente gerar alguma imagem.



Uma das várias tentativas, essa já com reguladores de tensão.


Porém, apesar das várias tentativas, o terceiro chip do circuito queimava com muita facilidade.
Joguei vários no lixo, até descobrir o motivo: o último chip estava sendo alimentado exatamente com 15V proveniente das modificações no circuito da fonte, agora muito mais eficiente e precisa que a original.
Então fiz umas duas pequenas modificações para minimizar transientes (adicionando um capacitor de 47uF/35V) e limitar a tensão de alimentação do último chip com um diodo 1N4002.

A versão final do circuito de substituição do MM53104.



Placa do circuito final montada (frente): Bonitinha como certas coisas aparecem para o usuário.



Placa do circuito final montada (verso): Como certas coisas realmente são. 😄



O feliz resultado de quase 3 meses de trabalho: duas ondas complementares de 1.193181 MHz.


E o resultado...


Uma belíssima peça histórica ressuscitada em toda a sua glória original.


Mas não parou por aí!

Mais de um ano depois, resolví converte-lo para vídeo composto já que a tendência é os televisores capazes de sintonizar TV analógica por RF desaparecerem, adotei a solução do amigo Victor Trucco para essa modificação, inclusive desabilitando o resistor R718, o capacitor C716 e o resistor R707 exatamente conforme ele fez... Porém, no meu Telejogo, essa modificação não estava funcionando, exceto para o som (que não passava de um mero capacitor... Nem tinha o que errar).
Após apanhar por algum tempo, notei que o transistor superaquecia então bastou acrescentar um resistor de 1K no emissor do transistor e... caso encerrado!


O circuito de conversão do Telejogo para vídeo composto: Versão final.


Mais uma coisinha para completar...

 Quando o Telejogo foi lançado, definitivamente não existia "miserê" com cabo de força não.


Os "bizarros" 4 metros de cabo de força do Telejogo.

A razão para isso é que as pessoas tinham medo da emissão de radiações do tubo de raios catódicos, de modo que costumava-se dizer que não era bom ficar perto da tela da TV para ve-la. Assim, cabos longos assim, permitiam que o aparelho ficasse bem longe do televisor.

Talvez esse medo se justificasse em relação aos primeiros televisores de tubo preto e branco, que de fato, tinham certas válvulas que se fossem montadas sem a devida blindagem, poderiam propagar vários tipos de radiação desde interferências sérias de rádio até raios-X.
Porém, por maior que fossem os tubos, eles mesmos emitíam uma quantidade irrisória de raios-X, que foi bastante diminuída em gerações posteriores de televisores, com a adição de chumbo na composição do vidro bem como certas limitações técnicas de tensões impostas aos fabricantes.

Mas apesar do cabo longo, observadores atentos devem ter notado que dos lados do Telejogo, havíam dois curiosos conectores P2 fêmea. Um de cada lado.


Um dos conectores sem nome do lado do Telejogo.


O pior é que o manual de instruções original do Telejogo não diz absolutamente nada sobre eles e imagino que muita gente possa ter tentado espetar fones de ouvido neles e tido experiências bem ruins com eles.
(Olha aí a importância de uma boa documentação das coisas...)

NUNCA CONECTE NADA A CONECTOR ALGUM SEM SABER PARA QUÊ ELE SERVE, NEM SE ELE É PLENAMENTE COMPATÍVEL COM O QUE SE PRETENDE CONECTAR NELE.

Bom... À menos que você tenha algum conhecimento de Eletrônica e tenha aberto seu Telejogo, ou tenha se atento a um detalhe da ilustração intitulada "Apresentação da Unidade" na página 5 do manual de serviço, onde esses conectores figuram como "P/CONT. REMOTO", dificilmente teria uma idéia de para quê esses conectores servem.
Uma descrição melhor deles só vai aparecer lá pela página 24 como "controles opcionais".

E é exatamente o que é esperado que se conecte nesses conectores: Dois controles separados do aparelho (para aquelas pessoas que querem distância uma da outra, mas não perdem a chance de uma jogatina).

Só tem um detalhe: Até onde eu saiba, a Philco/Ford (me corrijam nos comentários se eu estiver errado), NUNCA comercializou oficialmente esses controles opcionais e não sei se terceiros chegaram a comercializar (porém acredito que é quase certo que comercializaram) esses controles opcionais na época, que com um mínimo de conhecimento de Eletrônica e habilidade com solda, eram absurdamente fáceis de fazer, de modo que nada impede que os donos desses preciosos aparelhos não façam seus próprios controles opcionais por conta própria. Viabilidade que pretendo demonstrar agora.


Controles opcionais para Telejogo, Made in Brazil by Picolo's Lab.

Você vai precisar apenas de: 2 potenciômetros de 500K, um par de fios duplos de tamanho à gosto, dois conectores P2 mono de boa qualidade, knobs para os potenciômetros de duas caixinhas para abriga-los.
É só isso mesmo!


Como são esses controles por dentro.

O funcionamento desses controles não poderia ser mais simples.
Ao conecta-lo num dos conectores laterais do Telejogo, o controle interno do aparelho (que não passa de um potenciômetro de 500K) referente ao jogador correspondente ao lado em que se conecta o controle opcional, é desligado mecanicamente pelo próprio conector do aparelho e o controle externo passa a atuar como se fosse o controle do próprio aparelho.

Simples, não?


Bom... Espero que esta postagem tenha sido interessante ou útil aos(às) leitores(as).
Até a próxima!


Última revisão deste artigo: 02 de março de 2024.

Comentários

  1. No início dos anos 80 meu pai apareceu com um desses. Jogávamos numa TV preto e branco pequena com alça. Nem sabíamos direito o significado daquilo mas deu muita diversão. Tempo idos que não voltam mais.

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    1. A primeira vez que ví um aparelho desses pessoalmente foi na casa de um (saudoso) primo em Itapira, logo que lançaram.
      Eram tempos incomparavelmente muito mais livres e saudáveis (embora muito mais ingênuos) do que os que vivemos hoje.
      Sinto muito a falta dessas coisas, especialmente daquela liberdade de pensamento que tínhamos.

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  2. Estou com um aqui para arrumar, obrigado você sabe indicar qual potenciometro posso comprar sei que é de 500k mas só isso basta? Por exemplo e a altura para encaixar depois os controles na carcaça? Fico em dúvida tem alguma loja ou link com o potenciometro já do tamanho correto? Ele está na família a muitos anos era do meus tios e minha mãe e está comigo mais de 10anos guardado ainda funciona mas preciso arrumar os potenciometros

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    1. Oi Leandro!
      Eu demorei um pouco para responder porque estou no meio de uma baita correria desde novembro (por isso esse blog está praticamente abandonado).
      Eu abrí meu Telejogo para medir o potenciômetro pra você.
      Antigamente a gente chamava esses potenciômetros apenas de "grande". Portanto não sei se ele tem alguma designação especial.
      O diâmetro da rosca é de 9.4mm. É rosca padrão, assim como o diâmetro do eixo, de 5,95mm.
      Só que esse eixo é longo. Tem 42,87mm e na ponta, tem uma fenda de 12mm para encaixar os knobs originais.
      Espero ter ajudado.

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  3. Meu telejogo tem o mod av, porém só exibe imagem sem cor, tentei mexer no trimpot/capacitor variavel no canto superior esquerdo, mas nao há resultado, consegue dar alguma dica?

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    1. O segredo da cor do Telejogo já consta aí no artigo.
      Basta trocar o cristal original de 3.575611 MHz (frequência do PAL-M, embora o Telejogo não tenha circuito para gerar cor em PAL-M) por um de 3.579545 MHz (frequência do NTSC, conforme o projeto original da National Semiconductor).
      Agora... Não sei qual mod AV você fez, nem como ele foi instalado, portanto não faço idéia se ele pode ou não influir nisso.

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  4. caro, 0,1 uF sao 100nF e nao 10 nF. Assim como 0,22uF sao na verdade 220nF e nao 22nF. Espero q tenha sido apenas erro de digitacao....

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    1. Grande Fraga!
      Obrigado pela observação!
      Eu sou muito distraído às vezes.
      Se achar mais erros, por favor não tenha medo de me avisar!

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