Prologica CP-500/M80C - Restauração (Parte 1 - A Grande Saga)

O CP-500/M80C é o penúltimo microcomputador da icônica linha CP-500 da Prologica, que diferente dos primeiros modelos da linha CP-500, não era um mero clone do "Tandy Radio Shack System 80 Model III" (ou "TRS-80 Model III", porque ninguém tem saco de falar um nome desse tamanho).

Como a linha TRS-80 (também popularizada como "System 80") surgiu em 1976, toda a sua biblioteca de software feita desde então é compatível com este computador, porém, este modelo é híbrido, contendo 2 chips de lógica customizada, que o permite rodar também o sistema operacional SO08, um "clone" do CP/M 2.2 da Digital Research, e portanto, compatível com toda a biblioteca de software do CP/M para microprocessadores 8080 e Z80.

Pelo que dizem, o SO08 também roda no Sistema 600, outro computador da Prologica (bastante raro hoje e provavelmente um clone de um dos modelos da linha SuperBrain da Intertec Data Systems). Mas não conseguí bootar nenhum disquete de nenhum dos modelos da Intertec no meu CP-500/M80C, embora consiga ler e gravar arquivos neles sem problemas através do SO08.

O design do gabinete é obra do italiano Luciano Deviá (1943-2014), um dos pioneiros do design brasileiro.

Este exemplar, me levou alguns anos para restaurar, mas valeu a pena.
Na época, eu participava de uns fori de retrocomputação de modo que esta restauração inspirou e ajudou muita gente a restaurar e pôr de volta para funcionar, seus velhos CP-500.



Resultado final: renascido das cinzas.


A história deste exemplar em específico (provavelmente hoje, o mais famoso do Brasil), começou com uma postagem de Henrique Ulbrich, num desses fori, doando alguns CP-500 que ele tinha encontrado abandonados num galpão úmido.
E eu resolví adotar um deles.

O computador nem ligava. A barra de espaços estava torta. Havía um furo no gabinete, perto da barra de espaços. O gabinete estava cheio de marcas e a pintura estava toda desgastada, fora a sujeira interna.



06 de dezembro de 2014: Como foi encontrado.


Mas havía um outro problema: O exemplar se encontrava em São Paulo e eu não tinha como transporta-lo aqui para Campinas.
Felizmente um ex-colega de trabalho, o amigo Pedro Prado se propôs a fazer o transporte desta raridade.

Ao abrir... Um show de horrores.
Muita gente ao se deparar com tanta sujeira e tanto fio aparentemente "perdido" desse jeito, já julgaria o computador como condenado.
Especialmente porque não havia na Internet, nenhum manual de serviço (que a Prologica chamava de "Manual Técnico") deste modelo. Apenas do CP-500 original e ainda assim, faltando umas páginas e outras infelizmente com difícil leitura.



21 de fevereiro de 2015: Uma visão desalentadora.


O primeiro passo é a limpeza.
É impossível trabalhar com peças sujas.
Para a placa principal bem como outras peças, não teve outro jeito além de água e sabão líquido, um pincel, e muita paciência.



AVISO: Essa sujeira é altamente tóxica. Nunca respire isso!



Depois do banho finalmente dá para enxergar os componentes!



22 de fevereiro de 2015: A vez do teclado...


O teclado deste CP-500/M80C estava em situação realmente precária.


A tecnologia do teclado do CP-500/M80C é capacitiva (não é contato elétrico), conhecida como "foam-and-foil", originalmente desenvolvida pela KeyTronic em 1981.

A versão brasileira para o CP-500/M80C foi projetada por Everaldo R. Lima.
Essa tecnologia consiste em pistões de plástico suspensas por molas. Na ponta de cada pistão, há uma espuma de poliuretano e um disco de plástico metalizado.

O mesmo plástico metalizado usado nos sacos de batatas Ruffles pode ser usado para substituir os discos plásticos originais - E foi o que fiz com algumas teclas cujos discos originais, a metalização se deteriorou.



Uma mola de suspensão de um pistão de tecla e o conjunto de espuma e disco plástico metalizado.

Da próxima vez que tiver de restaurar um teclado desses, vou adotar a solução do Alexandre Souza, que consiste em furar uma manta térmica com um vazador de couro. Assim, a espuma também será substituída pelo material flexível da manta térmica (Neoprene, acho).
Isso deve dar uma sensação mais "dura" nas teclas, mas certamente é uma solução mais completa e prática do que furar discos num saco de batata ruffles e colar nas espumas com adesivo de contato como eu fiz.


Por falar em mola...
A mola que prendia a cordoalha de aterramento do (hoje raro e caro) cinescópio de fósforo verde (um Ibrape M31-334GH) já estava "podre". Foi para o lixo.



Mola original completamente podre de ferrugem. Irrecuperável.


A cordoalha de aterramento é importantíssima na instalação de qualquer cinescópio (o famoso "tubo de raios catódicos" ou CRT).
Fica até difícil imaginar o que aconteceria se o tubo fosse carregado com alta tensão proveniente do flyback e houvesse alguma perigosíssima descarga acidental.



Cordoalha de aterramento e mola novos.


O cinescópio deste CP-500/M80C apresentava umas marcas de pontos de fósforo queimados que, pelo padrão de queima, foi possível identificar o uso primário deste computador: Edição de texto através de um programa chamado LeScript.



Marcas de queima de fósforo no cinescópio.


As fontes da Prologica nunca tiveram boa fama. E a fonte do CP-500/M80C não era exceção mesmo sendo uma das melhores da linha CP-500, apelidada carinhosamente pelos usuários de "Panzer".


A fonte original, ainda fechada e suja.


Eu já tinha removido os chicotes todos mas gastei um tempinho razoável anotando as ligações e tensões, num pequeno trabalho de Engenharia Reversa...


Mapeando os pinos de conexão da fonte.


... mas o que eu encontrei dentro do case da fonte, um circuito pifado que não inspirava confiança nenhuma (transformadores enferrujados, capacitores com claros sinais de superaquecimento, etc.), me fez refletir muito até tomar uma decisão drástica: Esquecer esse circuito que já tinha péssima fama desde sua época e fazer um retrofit de uma moderna fonte ATX dentro do case.

Daria um trabalhão, mas sairia muito mais barato, gastaria muito menos tempo e daria um resultado incomparavelmente mais confiável do que fazer troubleshoot de uma fonte que com certeza daria problemas futuros muito em breve.



O circuito original da fonte do CP-500/M80C: Um horror!


De nada adiantaria todo o trabalho que eu estava fazendo se a fonte não fosse minimamente confiável para alimentar todo o sistema, logo...
Fui até uma loja de Informática local e comprei a menor fonte que eu encontrei.
Como o CP-500/M80C consumia originalmente 120W (de acordo com a etiqueta do gabinete), uma moderna fonte chaveada ATX de 230W com proteção anti-curto capaz de gerar as mesmas tensões seria (bem) mais do que suficiente para alimentar todo o sistema com folga, eficiência e confiabilidade.



A nova fonte: Uma moderna ATX de 230W com proteção anti-curto.


O meu medo era... Será que o circuito novo caberia dentro do case velho?



Testando para ver se a fonte nova caberia no case velho.


O gabinete da fonte antiga precisava de um banho e uns retoques na pintura.
Já apresentava uns pontos de ferrugem.



É... Esmalte sintético preto.


Algumas coisas não faziam muito sentido.
O buraco para mudança de tensão da fonte antiga sequer comportava uma chave para seleção da tensão.
E com a fonte nova, nem fazia sentido essa chave uma vez que ela chaveia automaticamente a tensão de entrada.
Mas eu queria pôr uma chave ali, nem que fosse para tampar o buraco e fosse meramente simbólica.



Um defeito de projeto da Prologica: Esse buraco não prevê os parafusos para prender a chave.


Algumas modificações precisaram ser feitas.
A mais crítica envolvia os buracos na placa da fonte nova.
Tiveram de ser estudados minuciosamente para prender a placa com segurança sem estragar o circuito.



Metendo a broca na placa da fonte nova... Acho que acabou a garantia. 😄


A fonte antiga ainda alimentava uma pesada ventoinha que operava em 110 ou 220V soprando vento para dentro do computador de cima para baixo.
Vento que (pasmem) empurrava ar ionizado do cinescópio direto para as memórias na motherboard!

OK... Troquei por uma ventoinha nova, de 12V (reduzindo assim as vias de alta tensão "perdidas" dentro da máquina) soprando o ar quente de dentro do computador para fora dele, pela parte de cima, como deveria ser.



A ventoinha original do CP-500/M80C.


Outras modificações na fonte:
- O conector de força original foi trocado por um novo mais curto.
- O rabicho para a ventoinha passou a ter um conector para facilitar manutenção futura.
- A fonte ATX nova tem um jumper ("power-on") para ela se comportar como a fonte antiga (ou seja... a chave liga/desliga funciona efetivamente).
- A caixa de fusível passou a conter o fusível que estava soldado na placa da fonte nova.



Jumper de "power-on": fio verde na placa da fonte nova.


Resumindo: Eu "fiz" uma fonte completamente nova para o CP-500/M80C!
Tive até o capricho de recortar a etiqueta da fonte nova com as características dela para colar no case da fonte velha. 👍



25 de fevereiro de 2015: Fonte nova para computador velho.


Até aqui, eu estava preocupado.
Tinha gasto tempo e dinheiro com uma restauração que nem sabia se funcionaria.
Sequer tinha trocado um único capacitor da placa principal ou da placa do monitor (como é de praxe em computadores com essa idade).
Já tinha limpado drives, montado o teclado...
Fico até hoje imaginando quanto tempo esse micro tinha ficado parado até então.

Então, cansado, resolví montar tudo e ver se sairia a "fumaça sagrada" ou se ele daria algum "sinal de vida".
Para a minha alegria, apareceu essa tela rolando aí o que indicava que a motherboard estava "viva"!



28 de fevereiro de 2015: Momento de alegria: O primeiro "sinal de vida".


Ainda havia muita coisa para consertar nele, mas o primeiro "sinal de vida" desse CP-500/M80C deu muita inspiração para continuar o projeto.
Como o circuito do monitor já estava funcionando, foi só ajustar e...



Vocês nem imaginam o quanto essa imagem que eu não via desde 1988 me alegrou.


Foi aí que partí para o teclado... que só resolví (como já citei) usando discos de plástico metalizado extraídos de um saco de batata Ruffles.

Outra coisa que descobrí é que esse teclado PRECISA DE ATERRAMENTO ou fica "digitando sozinho".


Discos de filme plástico metalizado de embalagem de batata Ruffles e vazador improvisado.


Aí foi a vevz de restaurar o gabinete.
Então desmontei tudo de novo...



Peças do gabinete, ainda sujas.


Após lavar e secar bem as três peças, comecei tampando aquele buraco no meio da peça central com resina plástica de funilaria.



Buraco tampado, ainda sem acabamento.


Então dei "um tapa" com um verniz e uma esponja para tentar recuperar a textura de alguns pontos do gabinete que tive de lixar e partí para a aplicação de primer cinza nas peças do gabinete.



Aplicando primer cinza.


Com o gabinete todo já tratado com primer cinza (Colorgin 53001), comecei a fazer as pesquisas sobre qual era a tinta que usaram originalmente no gabinete do CP-500/M80C... um tom de branco gelo, que infelizmente já não era mais fabricado.



Gabinete já com primer aplicado e seco.


Como eu não tinha as facilidades de uma "paint shop" como as que tem nos EUA e não estava a fim de terceirizar o serviço para uma dessas empresas de funilaria automotiva, acabei escolhendo uma tinta branca mesmo (Colorgin - Branco Acabamento 55011), de modo que ficou decidido que meu CP-500/M80C ficaria "albino".



Todo mundo que tem um TRS-80 Model III, Model IV ou CP-500 sempre faz uma foto dessas...


Fonte OK, teclado OK, monitor OK... Drives... Errr...

Embora eu tivesse revisado ambos os drives, eu não tinha disquetes compatíveis com essa plataforma, de modo que foram algumas semanas para descobrir um emulador de TRS-80 muito especial que só funciona em MS-DOS, mas que conseguia usar um drive físico de PC como se fosse de TRS-80, de modo que eu só precisei baixar umas imagens de disquete na Internet, bootar o emulador com ele, especificar o drive físico no emulador (atribuindo um arquivo de driver correspondente que o habilitava) e gerar o disquete físico como se eu estivesse num TRS-80.

Hoje uso o ImageDisk, que também só funciona direito em MS-DOS, para gerar/ripar esses disquetes, o software do HxCFloppyEmulator para converter as imagens de disco e o TRSTools para gerenciar os arquivos dentro dessas imagens de disco.

Mas... Nenhum drive reconhecia disquete nenhum, apesar de eles terem já sido revisados e testados em PC e MSX.
Inclusive gerei uns disquetes de TRS80 num PC usando um dos drives originais do CP-500/M80C, para garantir que não seria alguma diferença de alinhamento.



Antes e depois da revisão...



Então após apanhar por mais algumas semanas, no dia 11 de abril de 2015, meu amigo Louis Lipp me ajudou a levar o CP-500/M80 "albino" para o lendário "Tabajara Labs", do amigo Alexandre "Tabajara" Souza que curiosamente também tinha adotado um "irmão gêmeo" deste CP-500/M80C do mesmo "lote" que o meu.



Meu CP-500/M80C "albino" ao lado de seu "irmão gêmeo".


Apesar de passarmos preticamente o dia todo tentando ligar o CP-500/M80C do Alexandre ou mexendo nos circuitos da controladora de drives do meu "albino", ou ainda gerando disquetes de boot para tentar fazer os drives funcionarem, não tivemos sucesso.
Mas foi um dia divertidíssimo entre nerds, geeks, "piratas" e doidos em geral. 😂




"Ooooos... Pi-rata!!!" É... Para mexer com essas coisas não tem como sermos muito "normais" não.



Só o coitado do Lipp que tava morrendo de sono de tédio. 😂



Offtopic: Foi inclusive o dia que ganhei meu primeiro Apple II! Obrigado, Lipp!!! 👍


Bom... voltando aos drives, passei umas semanas caçando possíveis defeitos de componentes e estudando o circuito da controladora de drives deste computador, baseado no "poderoso" FDC (Floppy Disk Controller), o chip Western Digital WD-1793 (no caso, fabricado pela Mitsubishi com o código M5W1793-02P), até que resolví trocar o cristal de 4MHz e... FUNCIONOU!!!




Finalmente lendo o disquete no DOS500!!!


Neste ponto, a restauração já era considerada como "completa" e naturalmente paguei minha promessa ao Henrique Ulbrich de que se eu fizesse esse computador funcionar, faria um vídeo dele rodando o clássico programinha "Dancing Demon"...





...mas ainda haviam alguns bugs pós-restauração por resolver, que vou deixar para a "parte 2" desta restauração que para mim, foi uma das, senão "a" mais importante e longa que já fiz, uma vez que fez deste, inesperadamente talvez o CP-500/M80C mais famoso do Brasil e que além de estimular os donos de computadores similares a tira-los do armário, ainda deu orígem ao fantástico projeto "CP-500/M80C Nanico" do amigo Everaldo R. Lima.

(A documentação de bugs e extras desta restauração continuam na parte 2.)


Última revisão deste artigo: 02 de março de 2024.

Comentários

  1. Boa tarde, pode levar a placa com água e sabão? Não dá problema depois? E pra tirar o excesso de sabão? Joga água?

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    Respostas
    1. A placa desse modelo dá sim.
      Use detergente neutro.
      Em casos extremos, pode-se usar sabão líquido para roupas.
      Certifique-se de enxaguar bem com bastante água para retirar TODO o sabão.
      Eu costumo enxugar o excesso com uma toalha e soprar a água dos cantinhos inacessíveis com uma bomba de ar (não sopre com a boca).
      Aí é só deixar secar de um dia para outro.
      Se a placa tivesse certos tipos de bobinas (de FI por exemplo) ou capacitores variáveis, aí seria complicado.

      Existem vários vídeos disso no YouTube, como esse aqui do amigo Alexandre:
      https://youtu.be/ez5IbF39SRY

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