Atari 2600/VCS - Um guia definitivo de conversões de vídeo e áudio

Qualquer modificação numa lenda irretocável que se tornou ícone da cultura pop e certamente o maior clássico dos consoles de videogame de todos os tempos pode soar para alguns colecionadores mais puristas, no mínimo como algo "profano".

E não estamos falando aqui de qualquer plataforma. Estamos falando nada mais nada menos do lendário Atari 2600, lançado em 1977 como "Atari VCS" (Video Computer System) e os 3 primeiros modelos eram conhecidos como tal até a versão conhecida como "Darth Vader" ou "MK-IV" que foi o primeiro a ter estampado "Atari 2600" na frente do console. Mas os princípios dessas conversões são basicamente os mesmos.

Entre as curiosidades sobre essa plataforma, se destacam:
  • O Atari 2600 foi o primeiro videogame da história a ter um título de jogo licenciado dos fliperamas. (Space Invaders, Taito Corp.)

  • Jay Miner, fundador da Amiga Inc. e criador do "projeto Loraine" (o lendário computador Amiga) foi um dos funcionários da Atari Corp.

  • Steve Jobs, co-fundador da Apple Computer foi o quadragésimo funcionário da Atari Corp.

  • A America Online de hoje nasceu alugando jogos para Atari 2600 através da linha telefônica e um cartucho especial, o CVC Master.

  • 8 a cada 10 classic gamers no mundo consideram o tradicional Atari CX40 (o joystick standard do Atari 2600) como o melhor controlador para jogos já feito até hoje graças à simplicidade e eficiência. Ele foi tão popular que várias plataformas de consoles e computadores adotaram esse padrão de joystick e até hoje existem adaptadores USB para poder usa-los em computadores modernos bem como versões USB modernas dos mesmos.

  • Você pode usar um joypad de Sega Mega Drive, Sega Genesis ou Sega Master System num Atari 2600.

  • O Atari 2600 foi o console de videogame que teve vida mais longa até hoje e a plataforma que ficou mais tempo em produção.

  • Ainda hoje os programadores continuam fazendo jogos novos para Atari 2600.

Agora que já contei uma história básica desta plataforma, vamos aos fatos: Os televisores capazes de sintonizar esses aparelhos através de sinal de RF (radio frequência, geralmente nos canais de VHF baixos 2, 3 ou 4) hoje estão cada dia mais raros e por mais que gostemos de usar nossos computadores e videogames o mais "100% originais" possível, é muito mais prático pluga-los na entrada de vídeo composto, entradas conhecidas como "A/V - Audio & Video" ou "CVBS - Composite Video Blanking Sync" (às vezes também interpretado como "Composite Video Baseband Synchronization") dos televisores mais modernos.

Embora existam outros tipos de entrada de vídeo que podem receber sinal com qualidade de imagem até melhor, como RGB, Component Video, SVideo, DVI ou HDMI, o tradicional "Vídeo Composto" ainda é o tipo de entrada/saída mais comum entre consoles e videogames antigos e o mais simples de ser implementado na maioria deles.


Uma aulinha básica sobre formatos de vídeo analógico para iniciantes

Embora exista um monte de formatos diferentes de vídeo composto, eles são os mesmos de seus "equivalentes" RF adotados conforme a região. A diferença é que o sinal não passa por um transmissor de rádio frequência nem por um receptor de rádio frequência, de modo que o sinal é ligado diretamente, sem interferências, ruídos, chuviscos, etc.

O princípio de funcionamento do sinal de vídeo para televisão baseava-se na emissão de um feixe de elétrons (raio catódico) que quando atinge uma tela revestida de fósforo, convertia-se em um ponto de luz. (É... estamos falando de CRT aqui. É o que tinha na época do Atari 2600 e até hoje é o melhor tipo de tela para se usar com um Atari 2600 de verdade.)
Então é preciso "varrer" esses raios da esquerda para a direita para formar uma linha horizontal, fazendo isso repetidas vezes para manter o aspecto de uma linha.
Essa repetição geralmente ocorre 15 mil vezes por segundo, ou 15kHz e chamamos de varredura horizontal.

Aí, para formar a imagem, é preciso que essa linha desça para "varrer" toda a tela, o que chamamos de varredura vertical.
Geralmente a frequência da varredura vertical é de 50Hz ou de 60Hz, conforme a frequência de ciclagem da rede elétrica adotada em cada país.

Mas não acaba por aí. A linha precisa descer em posições exatas (ímpares) e de novo, em posições também exatas (pares) de modo a garantir uma permanência da imagem no fósforo do tubo de raios catódicos (o "tubo de imagem", tecnicamente chamado de cinescópio).

OK... descrevemos como gerar uma imagem branca na tela. Mas e a imagem propriamente dita?
Bom... a transmissão e TV era feita através de rádio, de modo que era preciso que cada ponto de cada linha fossse transmitido sequencialmente com uma intensidade diferente conforme a luminosidade desejada (que chamaremos aqui neste artigo de "luma") de modo a montar a matriz da imagem na tela.

Mas aí tinha outro problema: o sincronismo. O receptor tinha de "saber" quando começar a disparar os feixes de elétrons correspondentes ao sinal de luminosidade da imagem exatamente no momento em que começasse a receber esses sinais nas frequências conhecidas. E é aí que entra o sinal de sincronismo (que chamaremos aqui de "sync").
(Melhor eu não me alongar muito nesse ponto ou essa postagem ficará gigante.)

Já o formato de decodificação de cores é bastante variado e a (BEM) grosso modo, temos como os formatos mais populares (desconsiderando suas variações):

NTSC (EUA, Canada...)
NTSC-J (Japão...)
PAL-B/D/G/H/I ("PAL Europeu", geralmente chamado apenas de "PAL")
PAL-N/ M (Variações do formato PAL adotado em alguns países da América do Sul)
SECAM

Quem quiser saber mais detalhes de formatos por país, existem boas referências sobre isso no Wikipedia. O ponto aqui é que chamaremos de "chroma" os sinais correspondentes aos atributos de cores adicionais ao sinal de "luma" já "mais ou menos" explicado aí acima.

Os(as) leitores(as) agora devem estar se perguntando... "Por quê toda essa aula?"

Bom... como o Atari 2600 foi um dos primeiros videogames da história, seu "processadorzinho de vídeo", o TIA ("Television Interface Adapter", codinome "Stella"), não gerava pixels baseado numa matriz de bits correspondente em memória. Ele gerava sinal de vídeo baseado em tempo de ciclo de máquina, motivo pelo qual os programadores dos jogos de Atari 2600 são considerados heróis até hoje e algumas das "gambiarras" de programação podem confundir os decodificadores digitais de sinal de vídeo analógico em televisores muito modernos fazendo-os frequentemente perder sincronismo ou cores em alguns jogos.
Bom... agora vamos ao que interessa...


Convertendo um Atari VCS "Light Sixer" para PAL-M

Essa foi uma das minhas primeiras aventuras de modificações em plataformas clássicas e portanto, algumas imagens aqui são muito antigas, ainda feitas com uma webcam que eu tinha na época, 2003, acho, de modo que optei por mante-las no formato original.

Nessa época eu tinha dois "Atari 2600"... Um deles, o Atari VCS "Light Sixer", o segundo modelo dessa plataforma e um Atari 2600 "Polyvox" que tinha uma plaquinha de transcodificação para PAL-M que transplantei para o "Light Sixer" e é exatamente isso que vamos ver aqui.


O Atari VCS "Light Sixer" que eu tinha.

Esses primeiros Atari tinham uma blindagem contra interferências de RF absurda, graças às rígidas exigências do FCC na época e portanto, tinham potencial de gerar um sinal de RF com imagem muito menos sujeitas a ruídos do que os Atari mais "modernos" como o "Darth Vader".
Então na época, resolví aproveitar isso, já que meu "Light Sixer" não gerava sinal nem NTSC nem PAL-M, o que me fez imaginar que ele provavelmente era europeu, mas com o TIA versão NTSC ao invés de PAL, não fazia muito sentido e me fez especular sobre o passado dele. Talvez, alguma tentativa frustrada de algum técnico, de transcodifica-lo? Sei lá...

De qualquer modo, eu estava determinado a converte-lo para PAL-M. Então tirei a plaquinha do transcoder do meu "Darth Vader" e... A primeira coisa que notei foi um capacitor no circuito do "Light Sixer" sobre uma trilha cortada que não existia em esquema de Atari 2600 nenhum. Então tirei o capacitor e emendei a trilha.
Se vamos modificar o bicho, é melhor reverter possíveis gambiarras anteriores antes.



Uma gambiarra detectada e desfeita antes de começar.

Aí resolví estudar a plaquinha de "transcodificação" do Atari 2600 "Darth Vader" Polyvox que eu tinha aqui. (Que tinha a placa CO15519 Rev.13. Este dado é mais importante do que parece. Conforme a revisão, a solução de vídeo pode ser diferente.)



A placa de "transcodificação" PAL-M do meu Atari Polyvox.

Os fios que saíam dessa plaquinha eram conectados conforme segue:
A: GND ("terra" ou "negativo" comum)
B: Pino 20 do TIA (+5Vcc)
C: Pino 2 do TIA (Sync)
D: Sinal de Chroma que seguia para o modulador de RF.

Estavam conectados assim no meu Atari Polyvox:


Não sei por quê puxaram o chroma daí. Tem lugar melhor.

À partir daí, foi só encontrar os pontos correspondentes no Atari VCS e soldar...


Já tinha até um furo para o GND do lado do chip RIOT (RAM Input/Output Timer)


Fio B num ponto de 5Vcc qualquer do circuito e D num furo muito conveniente que pareceu feito para isso.


O fio C, soldei num terminal do resistor R221, porque era melhor do que soldar embaixo da placa.

Até aqui, a imagem estava perfeita, mas preto e branco porque o cristal que estava na placa era de 3,54MHz. Troquei por um de 4MHz.


Cristal novo, imagem colorida perfeita.


 

Aqui como ficaram as ligações.

O próximo passo foi "empacotar" a placa do transcoder com um feltro auto-adesivo para isolar a placa do resto do circuito.


Aqui onde deixei a plaquinha, dando espaço para o potenciômetro de ajuste de delay de cor.

Aí, já com o potenciômetro de ajuste de delay de cor (que muda a matiz de cores que esse Atari passou a exibir) a imagem ficou perfeita e já pude fechar o aparelho.

No entanto, aqui ficou um detalhe: As cores que ele exibe, passaram a ser as mesmas que um Atari Polyvox exibe. Mas não são as mesmas que um Atari NTSC americano exibe.

Observação: Não sei se com um cristal de 3,575611MHz (a frequência da portadora de cores do PAL-M) ao invés do de 4MHz (que era o que eu tinha na época e que reaproveitei do Atari Polyvox) resolveria isso. Infelizmente não fiz essa experiência porque na época, eu não tinha um cristal de 3,575611MHz.


Convertendo um Atari 2600 para Vídeo Composto NTSC

Eu sei que tem gente "purista" que pode se perguntar por quê de eu não documentar aqui como converter um Atari 2600 para Vídeo Composto PAL-M ou qualquer outro formato diferente do NTSC, mas o fato, é que o NTSC trata-se de um formato muito mais simples, que não requer um circuito para alternar a fase das linhas no vídeo (aquela plaquinha de "transcodificação" citado na sessão aí acima), há menos risco de interferências ou ruídos no sinal e o Atari 2600 convertido terá características de comportamento de cores idênticas às de um Atari 2600 original estadunidense.

Essa conversão apresentada aqui como exemplo, permite manter o modulador de RF (como mantive em todos os que fiz essa conversão, mas no meu, eu o removí)

Existem vários outros projetos similares na Internet, uns melhores, outros piores, uns mais complexos, outros mais simples... Mas esse, baseado numa conversão do Eduardo Luccas, se mostrou extremamente simples e extremamente confiável (embora a imagem possa parecer um pouco escura em alguns monitores), razões pelas quais adotei esse esquema como referência, porém optei por dar uma atenção especial ao sinal de chroma e já vou explicar por quê.


Esquema bom, é esquema simples.

Notem quase todos os sinais que usaremos no nosso circuito saem diretamente do TIA, de modo que fica mais fácil assim, converter qualquer Atari 2600, independente da revisão da placa.

O único sinal que requer mais cuidado é o chroma, que apesar de ser obtido do pino 9 do TIA, há um "tratamento" dele feito na placa do Atari 2600/VCS de modo que devemos soldar o fio correspondente do nosso circuito DEPOIS desse "tratamento", conforme mostrado aqui, do esquema original do primeiro modelo do Atari VCS:


Cada revisão de Placa, tem esse ponto (em vermelho aqui) do chroma num lugar aparentemente diferente, mas se seguir esse esquema, fica fácil de acha-lo.


No meu Atari 2600 por exemplo (placa CO15519 Rev.13), os pontos de solda podem ser esses (mas hoje, prefiro soldar a maioria deles direto nos terminais do TIA embaixo da placa):



Já no do Eduardo Luccas (sei lá qual revisão é), ele diz para soldar o fio do chroma num desses pontos:


Num Atari VCS original (no exemplo aqui, um "light sixer"), o chroma e o audio podem ser obtidos bem próximos:


Como eu disse, é preciso seguir o esquema para achar o pontos certos do chroma.
Os outros, basta procurar algum ponto de solda mais "conveniente" ligado aos pinos do TIA que interessam para o nosso circuito.


Som estéreo no Atari 2600

Quem já abriu algum Atari "Heavy Sixer" (o primeiro modelo) ou "Light Sixer" (o segundo modelo), deve ter notado que embaixo da tampa de cima, tinha espaço aparentemente para dois alto-falantes.
Idéia que foi abandonada primeiro porque encareceria o produto (em 1977, alto-falantes eram caros) e segundo porque esqueceram de reservar um lugar para controle de volume no gabinete do aparelho.
Porém, o TIA permite som estéreo, através dos pinos 12 (AU1) e 13 (AU0), que são emendados de fábrica na placa do Atari 2600/VCS.

OK... mas por quê então vou querer som estéreo num Atari 2600?
Bom... existem jogos como Skeleton+, demos como o Liquid Candy e aplicativos (é sério) como o SynthCart "que exploram efetivamente essa opção do TIA.
Os curiosos de plantão poderão se divertir com a música dos jogos num canal e efeitos no outro, às vezes efeitos muito altos num canal com música baixinha do outro (ou vice-versa) e por aí vai.

Músicos ou DJs, podem captar sons de efeitos sem a música dos jogos... Enfim... existem motivos para a existência desse mod.
No entanto, é uma boa idéia poder desligar a função estéreo, já que a imensa maioria dos jogos, demos e (sim) aplicativos de Atari 2600, foram pensados originalmente para som mono de modo que às vezes soam estranho assim.

Para quem quiser esse mod, a missão é tecnicamente muito simples.
Para quem notou que a conversão de audio pelo esquema aí acima fica por conta de apenas um capacitor eletrolítico de 1uF/25V, já deve ter sacado que para um Atari 2600 ter saída de som estéreo, bastaria remover a emenda entre os pinos 12 e 13 do TIA e pôr um capacitor de 1uF/25V para cada um desses dois pinos, com o outro terminal diretamente nos cabos com conectores RCA para os canais esquerdo e direito e é só isso.
É. É só isso mesmo. Sério.

É tão babinha que (no meu caso, já que já tirei o modulador de RF mesmo), aproveitei a chave H-H soldada na placa que antes servia para chavear entre os canais 2 ou 3, fazendo-a servir na posição do "Canal 2", para mixar os dois canais obtendo sinal mono idêntico nas duas saídas e na posição "Canal 3", em estéreo.
(Obviamente antes, cortei as trilhas dela para o modulador para isola-la dele.)
Assim, nosso esquema ficou desse jeito aqui:


Atenção: Pino 12 é o canal direito e o pino 13 é o canal esquerdo! (Duh!)

Aqui como fiz num dos Atari 2600 em que pús essa chavinha com essa função:


A plaquinha padrão em que soldei os componentes, para dar um acabamento mais fino ao trabalho e os fios soldados na placa.


Os dois fios da chave H-H ligados direto na plaquinha do outro lado da placa principal só servem para juntar os canais esquerdo e direito.

Bom... É isso!
Espero que essa postagem tenha esclarecido as dúvidas dos felizes donos de videogames Atari 2600 (e compatíveis) à respeito dessas modificações, provavelmente as mais comuns dessa plataforma.


Última revisão deste artigo: 02 de março de 2024.

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