Philips 06 RL 302 - Um rádio clássico salvo de um triste fim

É... O tempo passa, os conceitos mudam, as coisas evoluem e a "Era do Rádio" em toda a sua glória parece estar à beira de seu fim, apesar da esperança na letra da canção "Radio Gaga" do Queen, ou da homenagem à enorme quantidade de coisas que se aprendeu em áreas como a Física (mais precisamente em Eletrônica, Elétrica e Eletromagnetismo) ou em Química, quanto ao comportamento das partículas sub-atômicas graças à evolução das tecnologias ligadas ao rádio, feita com maestria através do álbum "Radio Activity" da banda pioneira alemã de Música Eletrônica, Kraftwerk.

Muitos atribuem sua "invenção" erroneamente a Guglielmo Marconi, que tem o crédito justo pela primeira transmissão de rádio de longa distância, simplesmente aplicando a tecnologia já desenvolvida por Nikola Tesla (sempre ele) baseado nas teorias de James Clerk Maxwell confirmadas por Heinrich Hertz de que ondas eletromagnéticas poderiam se propagar no espaço.

Apesar de hoje, usar-se amplamente as tecnologias de rádio em sistemas de comunicação móvel, Wi-Fi, BlueTooth, 5G, etc., não existe "escola" de Eletrônica Analógica mais "raiz" do que o estudo de funcionamento de um simples rádio.

É a primeira coisa que um estudante de Eletrônica (ou hobbista) aprende após entender como funcionam os princípios de amplificação e oscilação.
Assim, o fim do rádio analógico como (ainda) temos hoje, significa mais do que o fim de uma Era. É o fim de uma "escola" pratica a meu ver, importantíssima para as futuras gerações de Técnicos e Engenheiros.

Este modelo de rádio que restaurei aqui, foi projetado para captar sinais em FM (Frequência Modulada), OM (Ondas Médias, ou MW - "Medium Waves") que as pessoas costumam chamar de "AM" por causa do tipo de modulação - "Amplitude Modulada" adotada pelas emissoras) e OC (Ondas Curtas, ou SW - "Short Waves", cujas emissoras também usam... ou melhor, usavam a modulação de amplitude ao invés de frequência).


Um heróico rádio Philips 06 RL 302 que ganhou vida nova, após restaurado e personalizado.


A história do nosso "guerreiro" é que ele foi uma doação de um amigo que por muito pouco, não jogou este aparelho no lixo, como infelizmente terminam muitos desses aparelhos, que poderiam ser doados a técnicos, hobbistas ou instituições beneficentes ao invés de virarem problema ambiental.

Nem precisa dizer que ele estava literalmente em "estado de sucata": Não funcionava, a antena estava "mole" (carecendo de reaperto no parafuso de fixação), porém ainda inteira, muito sujo, evidência de forte vazamento no compartimento de pilhas, espuma da tampa desse compartimento esfarelando (como de costume em aparelhos dessa idade) e conector de alimentação externa praticamente inutilizado por uma camada de óxido misturada com sujeira que isolava os contatos.
Bom... as fotos falam por si:


O mesmo rádio Philips 06 RL 302 "no estado" em que se encontrava antes da restauração.


A mola do compartimento das pilhas estava enferrujada. Mas por sorte não tinha quebrado.


Uma trava e um fecho da tampa do compartimento das pilhas estavam quebradas.
Por sorte, o fecho que quebrou ainda estava dentro do aparelho.



Curiosidade: A placa tinha uma intrigante e (a meu ver) completamente desnecessária camada de pintura cinza no lado dos componentes. Imagino que seja para lembrar o aspecto dos chassis primeiros rádios valvulados.


Outra curiosidade: Era comum que aparelhos dessa época, tivessem seu esquema elétrico disponível dentro do aparelho, para facilitar a manutenção.
Não o removí para escanea-lo porque isso o destruiria irremediavelmente.



Tudo dentro desse aparelho estava muito sujo.
Mas felizmente o vazamento das pilhas não afetou o circuito. Senão daria mais trabalho.


Bom... avaliações feitas... Começamos os trabalhos.

O primeiro passo foi o de sempre: Desmontar tudo, lavar todas as peças que podiam ser lavadas e limpar a placa com pincéis, pinças, algodão, isopropanol e paciência...

Essa placa não pode ser lavada porque as bobinas/transformadores dos estágios de FI e o capacitor variável não toleram água.

Após esse primeiro trabalho, a primeira coisa que resolví fazer foi dar um trato naquela mola, com WD-40, bisturi, uma mini-retífica, óleos, lixas e esponja de aço até ficar com aspecto de nova. Assim, poderia voltar a fazer contato e condução elétrica garantida.


Mola das pilhas restaurada.


Aí foi a vez do conector de alimentação externa... De um tipo que não existe mais à venda nas lojas de Eletrônica, embora seja compatível com o tradicional plug P4 de 5,5mm, de modo que até pensei em adaptar um conector novo, mas eu queria manter o original.


Quando eu disse que esse conector estava "praticamente inutilizado por uma camada de óxido misturada com sujeira" eu não estava exagerando.


Se fosse impossível recuperar o conector original, eu teria de fazer alterações na caixa do aparelho. Mas o conector parecia muito resistente.

Eu considerei muito isso, porque as pilhas "médias" (formato R14) começaram a cair em desuso com a popularização das pilhas alcalinas, de modo que as pilhas com formato AA ou mesmo AAA hoje, geram carga elétrica por mais tempo do que as antigas pilhas "médias" de zinco formato R14, que hoje são difíceis de achar que quando são encontradas, custam caro pelo pouco tempo de uso que elas permitem.

Assim, usar uma fonte de alimentação externa nesse aparelho seria uma necessidade.

Deu bastante trabalho para remover a sujeira, o óxido, lixar e polir com precisão cada detalhe.
Mas o resultado ficou bastante satisfatório.



Conector de força renovado.


Alguns fios estavam muito ressecados ou corroídos pelos fluídos corrosivos que vazaram das pilhas, de modo que tive de troca-los.

Após limpas as peças, algumas revelaram detalhes interessantes como essa:


A data de fabricação da placa: 05 de setembro de 1975, ou seja... 46 anos desta postagem aqui.



Com tudo lavado, limpo, brilhante e cheirosinho, podemos começar a montar...


Com tudo montado, o rádio ainda não funcionava.
Bom... De praxe, os velhos capacitores eletrolíticos precisavam ser substituídos.
Após a troca dos capacitores, o funcionamento do aparelho seguia intermitente sem explicação.

Eis que esbarrei com uma trilha rachada quase imperceptível à olho nu.


Essa rachadura microscópica na placa me consumiu dias de queima de fosfato.


Um pedaço de fio e solda... e pronto. Acabou a intermitência.


Trilha refeita. Nem parece que foi refeita, né?


A chave de seleção de frequências eu limpei com um pouco (muito pouco) de WD-40 (o original, que NÃO É ÓLEO como os outros desengripantes do mercado) e isopropanol para remover, com ajuda de um algodão.

Só desmonto essas coisas em último caso, porque as chances de destruir essas chaves e não poder encontrar uma nova para vender é grande.

Os potenciômetros estavam com ruídos. Neles, só espirrei limpa-contatos. A única coisa que confio para isso.
Experiência de quem já destruiu um potenciômetro com isopropanol certa vez.

Uma coisa que falta no projeto deste modelo e que (acredito que todo mundo que gosta de sintonizar Ondas Curtas vai concordar comigo) é um conector para fone de ouvido.

É desagradável incomodar as pessoas em volta quando você tenta sintonizar alguma rádio de Ondas Curtas. Então resolví fazer essa modificação.


Saída para fone de ouvido (mono, como nos velhos tempos).


Que não se engane quem pensa que esses rádios eram mal feitos.
A qualidade dos componentes era muito boa.
Alguns até me surpreenderam, como o alto-falante da marca japonesa Foster, fundada em 1948 e que hoje é referência de alto-falantes para audiófilos no mundo todo, dona também da marca Fostex, famosa pelos gravadores multitrack profissionais.

Nunca substime um radinho velho!


Alto falante com marca de referência! #Respeito.


Mas nem tudo são flores em certas restaurações.
A pintura prata da moldura da parte frontal da caixa estava absolutamente irrecuperável.

Pior! Cheia de riscos, amassados, desgastes...
Não dava para manter um aparelho bom, restaurado, com aquele aspecto de... "sucata".
Algo precisava ser feito.

E não tinha como desmontar a moldura do painel frontal para lixar só ela, sem destruir as duas peças... Ou melhor, três, porque a janela do dial é uma terceira peça. Todas "soldadas" entre si com pontos de plástico derretido.

O jeito foi gastar um monte de fita crepe e...


Pintura spray vermelha nela!


Usei primer spray Colorgin 53001, tinta spray Colorgin "Arte Urbana - Vermelho Ferrari 919" e verniz spray premium Colorgin 57051.

Duas demãos de cada. Praticamente um dia de trabalho. Mas...


Suspense... Será que não vazou tinta?

Cara... Ficou praticamente com cara de produto novo, se não fossem os pequenos desgastes naturais do tempo.


Rádio já montado na caixa personalizada.


Mas ainda faltou um detalhe...
O logotipo (originalmente prata), precisava ser repintado.
A melhor forma que achei para isso foi colar um pedacinho de fita de vedação porosa de Neoprene na ponta de um palito, espirrar um pouco de tinta spray Colorgin "Branco Acabamento - 55011" num papelão e ir "carimbando" camadas finas dessa tinta nele. (Mas com algodão, cotonetes e isopropanol do lado, de prontidão para limpar imediatamente qualquer mancada...)


A pintura do logotipo.


Acabou? Não.
A tampa das pilhas, ganhou espuma nova de poliuretano auto-adesiva, o fecho foi fixado com cianoacrilato e reforçado com adesivo de Epoxi.

Tive de fazer uma das travas, aproveitando o plástico da caixa de uma calculadora chinesa sucateada. Colei com cianoacrilato.


A tampa das pilhas... Novinha.


Nem precisa dizer que o resultado final ficou bastante gratificante, apesar do triste fato de que as emissoras de ondas curtas estão entrando em extinção para dar espaço de banda de espectro para transmissões de telefonia móvel e TV "digital" (que de digital mesmo é só o sinal "encapsulado" numa portadora analógica, porque não tem outro jeito de se fazer isso.

E embora ainda existam algumas rádios "AM", elas também estão "debandando" para a faixa de "FM".



Rádio "novo".


Bom... Espero que tenham gostado de mais essa restauração!


Última revisão deste artigo: 02 de março de 2024.

Comentários

  1. Como sempre, soberbo trabalho, principalmente a recuperação do logotipo e da espuma da tampa das pilhas. Mas tenho uma observação e uma pergunta a fazer:
    Observação: pilha realmente é um negócio que está cada vez mais caro e cada vez com menos carga. Pilhas supostamente alcalinas gastam-se como água aqui em casa, com os controles do XBox dos guris;
    Pergunta: o que acontece com um potenciômetro quando se joga isopropanol nele?

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    Respostas
    1. Potenciômetros ou trim-pots (fisicamente são feitos para funções diferentes mas eletronicamente são a mesma coisa), podem ser de vários tipos.
      Podem ser giratórios ou deslizantes, podem ser de precisão ou não, podem usar como elemento resistivo, fio de nicromo (níquel e cromo) e portanto imunes a isopropanol, ou podem usar uma placa com um depósito de grafite sobre ela, que pode dissolver em contato com certos químicos como o isopropanol, ou desengripantes de uso geral.
      Já me falaram que potenciômetros não toleram umidade, mas já lavei placa que continha um potenciômetro que não foi afetado e a maioria dos produtos designados como "limpa-contatos" condensam umidade, logo concluo que a umidade não é a vilã da história.
      Existe muita polêmica quanto à limpeza de potenciômetros. Até porque é preciso pensar em 3 tipos diferentes de limpeza neles:
      1 - Limpeza externa (que pode até ser feita com algodão umedecido com isopropanol sem problemas).
      2 - Limpeza do elemento resistivo interno e do cursor de contato (geralmente metálico).
      3 - Lubrificação do eixo (no caso dos potenciômetros giratórios) ou dos pontos de guia do cursor (no caso dos potenciômetros deslizantes).
      De um modo geral, o limpa-contatos expulsa a sujeira dos 3. Mas é preciso cuidado para não aciona-lo muito rápido enquanto ele estiver ainda úmido ou pode ocorrer calçamento hidráulico que pode estragar o elemento resistivo.
      E quanto à lubrificação, é preciso cuidado para que ela não alcance o elemento resistivo.
      Geralmente um pouco de óleo mineral (bem pouco mesmo) no ponto mais externo do eixo de um potenciômetro giratório (por exemplo) já pode ser suficiente pode amolecer a lubrificação antiga e destrava-lo.
      Existem técnicos que preferem tirar o potenciômetro do circuito, desmonta-lo e limpar elemento por elemento, cada um de um jeito para depois monta-lo novamente.
      Eu particularmente só faria isso em último caso. Penso que o risco de danificar as presilhas dobradas que o fecham, não compensa.

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    2. Quanto às pilhas... Elas são reações químicas.
      Assim que são fabricadas já estão reagindo.
      De um modo geral, as pilhas alcalinas podem gerar bem mais corrente que as antigas zinco-carbono. E sob carga, ambas duram menos tempo porque aceleram a reação.
      Verifique a qualidade e a validade delas ao comprar.
      Geralmente vendem mais barato, as de qualidade inferior ou as que estão há mais tempo na prateleira.
      Certas marcas como Duracell (especialmente as feitas na China), eu não compro mais devido à quantidade de relatos de vazamentos e de aparelhos estragados por causa dos mesmos. Eu mesmo já perdí 3 aparelhos por causa disso.
      Minhas marcas prediletas são a Ray-O-Vac (que têm garantia de armazenamento de 5 anos do fabricante) e Panasonic (os japoneses prezam por sua reputação e eu admiro muito isso nessa atitude deles). Mas às vezes compro outras marcas para usar em aparelhos menos raros ou menos críticos.

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  2. Boa tarde Picolo, ótimo trabalho de restauro. Conheço bem esse modelo já devo ter restaurado vários deles, aliás esse projeto da Philips era muito bom, ficou em produção aqui no Brasil mais de 10 anos (1975 - 1985) acredito. Quanto as pilhas médias realmente andam caras, mas vale a pena o uso delas para sintonia de OM nesse aparelho. Sempre é bom ver alguém que ajuda a preservar esses guerreiros, como disseste. Abraço. Cristian.

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