Macintosh TV: A raríssima "ovelha negra" da Apple

O inacreditavelmente raro Macintosh TV...

Muitos colecionadores e aficcionados por retrocomputação ou pela História da Microinformática, jamais conseguiram ver um exemplar desses de perto, ainda mais funcionando.

Apenas 10000 exemplares foram fabricados em um curto espaço de tempo de apenas 4 meses. 2000 exemplares a menos que o Apple Lisa, mas como ele tem uma construção muito mais frágil, muito poucos ainda funcionam no mundo, até por ser considerado como um dos maiores fiascos da história da Apple e considerado por muitos, como o pior Macintosh da História, apesar de ter sido um marco histórico em vários aspectos.

Para citar alguns... Foi o primeiro Macintosh desktop preto (o que lhe rendeu o carinhoso apelido "Blackintosh"), o primeiro microcomputador pessoal a vir com uma placa de sintonia de TV, o primeiro com controle remoto, um dos primeiros (para não dizer o primeiro) Macintosh com porta de comunicação infravermelha.


Essa foto, mesmo em detalhes, não reflete a beleza desse equipamento pessoalmente.
 

O exemplar mostrado aqui neste artigo, até o presente momento, é o único de que se tem notícia em toda a América Latina e só chegou até a minha coleção, porque eu fui representante e técnico autorizado Apple nos anos 90 e meu sócio tinha adquirido um desses, usado, de um vizinho dele que não estava contente com o desempenho da máquina, até onde me consta.

Quando nossa empresa-piloto "ByteGraphix" fechou as portas, estávamos vendo o que fazer com os ativos e ofereci um Performa 6400 (se me lembro bem do modelo, que diga-se de passagem, era uma máquina muito mais poderosa, moderna, compacta e fácil de vender na época, por este belo exemplar, simplesmente porque achava esse computador muito bonito para ele sumir com ele de vista.


Um pouco de história, para variar...

Em 1991, com o fim da produção do Macintosh SE/30 (codinome: Green Jade), a Apple não pretendia continuar com o clássico form factor "All In One" em seus computadores. Porém, um tal de Larry Barbera, resolveu investigar a viabilidade de a Apple lançar um computador comemorativo dos 10 anos da linha Macintosh (a ser lançado obviamente em 1994).

Dessa investigação, nasceu o projeto "Mondo", cuja idéia era criar um novo design "All In One", inspirado no design conceitual "Big Mac" da Frog Design. Porém essa idéia ficou arquivada até outono de 1992, quando o CEO (mais odiado da História da Apple) John Scully, ao examinar o Macintosh Color Classic (codinome: "Slice"), que estava pronto para ser lançado, teria dito que a tela era muito pequena e que os projetistas teriam de fazer um computador com tela de 14 polegadas, acrescentar um drive de CD-ROM, 2 alto-falantes para som estéreo e mandou executar o projeto em apenas 6 meses.

Aí entrou o Gerente de Design de Produto Eric Xanthopoulos com a brilhante pergunta: "Onde podemos conseguir um computador assim?"
Então ele ressuscitou o projeto "Mondo" e em Julho de 1993, lançou o Macintosh LC 520 (codinome: "Hook"), que foi um sucesso de vendas e estava pronto aí toda a base do Macintosh TV.
Bastaria então injetar o plástico todo do gabinete em plástico preto, trocar o microfone por um sensor de infravermelho, refazer a placa lógica para acondicionar um sintonizador de TV com controle remoto e assim, em outubro de 1993, era lançado o Macintosh TV (codinome: Peter Pan).


Anúncio de página inteira nas revistas especializadas.

Era de fato uma bela máquina. Diferente de praticamente todos os computadores bege da época (e que hoje estão quase todos amarelados com o tempo, exceto os que foram tratados com retrobright), esse carinha aí parecia uma escultura sobre a mesa, algo que se destacava como o monolito do file "2001 - Uma Odisséia No Espaço", do Stanley Kubrick, ostentando o melhor cinescópio de 14 polegadas do planeta na época, o Sony Trinitron M34JNQ10X.

Ele ainda tinha além da óbvia entrada de antena para TV (conector tipo F - fêmea) e três conectores RCA para você plugar vídeo composto (apenas NTSC) e áudio estéreo analógico e uma porta SCSI para dispositivos externos como drives SyQuest, scanners, HDs externos, etc., que era meio que um "USB" da época.

Porém, nem tudo são flores.

O Macintosh TV foi lançado como um computador "entry-level" tendo estudantes como público-alvo. Até aí tudo bem. Não daria mesmo para esperar um super computador mesmo. Mas ele só vinha com 4MB de RAM e era expansível só até 8MB. Uma capacidade de memória absolutamente irrisória, se comparado a outros modelos de Macintosh bem mais antigos como o Macintosh SE/30, que além de sair de fábrica basicamente com o mesmo microprocessador Motorola MC68030, podia ser expandido até 128MB!

Para piorar, os projetistas reduziram o clock do "bus" da motherboard (sabe-se lá pra quê, mas creio que tem a ver com o sintonizador de TV), de modo que o desempenho geral da máquina era simplesmente redículo.

Seguem uns testes de benchmark que fiz com o software Maxa Snooper, comparando-o justamente com um Macintosh SE/30 (com FPU MC68882):


Desempenho da memória... OK para a época.


Desempenho do vídeo.. OK também.


Qua falta faz um FPU, não?



Resultado final... O Macintosh TV tem apenas 21% do desempenho de um SE/30.


Pornografia para nerds: Mostrando a máquina por dentro

Com o computador na bancada, painel traseiro removido, basta puxar a motherboard e o HD, que eles saem fácil, uma característica do tal "Espresso Design" que a Apple promovia na época para seus computadores de uso doméstico.


Macintosh TV na bancada, sem motherboard...

Ao remover a motherboard (que o Manual de Serviço chama de "Logic Board"), bem como o sintonizador de TV...


A placa lógica (motherboard) e o sintonizador de TV ao lado.

...Um "maqueiro raiz" certamente vai notar que esse o dito cujo do sintonizador de TV não está "espetado" num slot LC-PDS típico desses Macintosh LC e performa da época, e sim, um slot proprietário exclusivo para esse sintonizador de TV, que não tem documentação de pinagem em lugar nenhum e que frustra qualquer idéia de expandir ou fazer upgrade nessa máquina.


O TV Tuner slot, no lugar do LC-PDS slot.
 

Assim sendo, a única forma de se fazer um upgrade de desempenho de um Macintosh TV, seria trocar a motherboard por uma "Mystic Board" com processador Motorola MC68040, mas aí o painel traseiro original não encaixa e você perde os recursos de entrada de TV e AV.

E sim, eu comparei a placa do Macintosh TV com a de um Macintosh Performa 5215CD. O conector "Espresso" dele, é invertido e tem menos pinos:


Motherboards: Performa 5215CD e Macintosh TV lado a lado.


Uma coisa que eu tive de fazer no meu Macintosh TV, foi trocar todos os capacitores eletrolíticos SMD, que pela idade, já estavam vazando.


Um típico capacitor eletrolítico SMD vazando eletrólito corrosivo, corroendo a placa. - Foto de Internet.


Como os capacitores já tinham vazado, lavei a placa e soldei capacitores eletrolíticos convencionais. Muito mais fáceis de encontrar e costumam vazar com menos frequência.
Porém, teve um pondo da placa que eu tive de fazer um remendo graças à corrosão.

Por via das dúvidas, fiz um reflow das soldas próximas.


Capacitores de alumínio e remendo na placa com wire wrap.


Motherboard revisada, hora de fazer o mesmo com a placa analógica.
Aqui a coisa já não é pra qualquer um, porque começamos a falar em tensões elétricas perigosas.

SE VOCÊ NÃO SOUBER O QUE ESTÁ FAZENDO, NÃO FAÇA.
TENSÕES ELÉTRICAS ALTAS, PODEM SER MORTAIS, MESMO COM O APARELHO DESLIGADO DA TOMADA!

Com o aparelho completamente desconectado de qualquer fonte de energia, após remover os 5 parafusos Torx T-15 e cuidadosamente a tampa, a primeira coisa a se fazer como medida de Segurança, é descarregar o cinescópio (o "tubo de imagem") com uma chave de cabo isolado com sua haste metálica ligada ao Terra do cinescópio.


Descarregando o cinescópio: Se você não souber como fazer corretamente, nem abra a tampa do aparelho!


Aqui vai uma foto especial para os conspiracionistas de plantão:


"Corona OK". 😷😄


Falando sério agora, a "placa analógica", consiste na fonte chaveada e os circuitos do monitor e amplificador de áudio estéreo.
Essa placa analógica é a mesma do Macintosh LC 520 e bastante similar à do Macintosh Color Classic.


A "placa analógica" do Macintosh TV.


Aos curiosos de plantão, a "placa analógica" do Macintosh Color Classic só tem um chip desses TDA7052 aí, porque a saída de som dele é mono:


2 chips TDA7052: um para o canal de som esquerdo, um para o canal de som direito.


Aqui a prova de que a "placa analógica" é a mesma do Macintosh LC 520:


"MAC LC 520". Ainda tem alguma dúvida?


Para retirar chassis principal, é necessário remover o painel frontal, com o auxílio de uma chave de fenda pequena e muito cuidado, inserida num chanfro embaixo dele, para destrava-lo e assim, liberar o acesso ao drive de CD-ROM e o drive de disquetes (floppy drive).

Uma vez que esses drives foram removidos, solta-se duas travas laterais do chassis principal, para separa-lo do bezel, onde fica parafusado o cinescópio.


O chassis principal, ainda com as blindagens.


Remover as blindagens é fácil. Mas monta-las de volta, é um exercício de paciência e cuidado.
Por isso, muita gente simplesmente joga fora essas coisas, ignorando que essa blindagem toda, tem uma função importantíssima, de isolar a Eletrônica do aparelho, de interferências externas, ou de ela gerar interferência em outros aparelhos.


Blindagens removidas, limpas e guardadas cuidadosamente para montar depois.


O chassis é todo em plástico ABS, contendo cabos flat crimpados em conectores proprietários dos "pentes" de conectores espetados nos drives, bem como o conector principal da motherboard.
Ele também contém os alto-falantes e uma plaquinha com conector para fones de ouvido e botôes de brilho e volume.


Chassis principal visto de cima.


Detalhe da etiqueta com os dados de part number do chassis, número de série, lote, etc.



Chassis principal visto por baixo.

 

Aqui, um mistério. Há uma baia extra com este buraco redondo. Ninguém sabe me dizer para quê.


Caso alguém queira mais detalhes sobre como o Macintosh TV é montado, achei essa bela ilustração aqui no site "Higher Intellect Vintage Computer Wiki" mostrando a "visão explodida" de um Macintosh TV, inclusive com os part numbers das peças. mas tem uma errata:
Onde se lê "Internal Microphone Assembly", entenda por "Infrared Sensor Assembly".


"Visão explodida" de um Macintosh TV.


Disquete...

Uma dica sobre disquetes de Macintosh: Se você precisar transportar dados de um Macintosh moderno para um Macintosh antigo, ou vice-versa, usando um drive de disquetes USB externo no Macintosh moderno, formate os disquetes para IBM-PC ao invés de, para Macintosh. É sério.

Drives de disquete originais de Macintosh, formatam disquetes com filesystem HFS, usando velocidade variável. Os disquetes de IBM-PC são formatados em FAT16, com velocidade fixa.
Drives de IBM-PC não trabalham com velocidade variável.

Assim sendo, compacte os arquivos, copie em disquetes de IBM-PC e ao copiar para o HD do Macintosh, descompacte com o StuffIt Expander e seja feliz.

Agora... de Macintosh clássico para Macintosh clássico, as formatações MFS e HFS são o que há de mais prático, sem dúvida.

Os Macintosh clássicos, têm 4 tipos de floppy drive:
Face simples de 400K;
Face dupla de 800K;
Superdrive de 1.4MB;
Superdrive Power PC de 1.4MB.
Os de maior capacidade são retrocompatíveis e todos podem ler disquetes de IBM-PC, desde que a capacidade esteja dentro da margem de capacidade do drive e a versão do sistema operacional (ou software adicional) consiga ler.

Um problema muito comum nesses drives de Macintosh, é a quebra de uma engrenagem amarela do mecanismo de eject.
Como troquei todos os capacitores eletrolíticos do Superdrive de 1.4MB do meu Macintosh TV, verifiquei se a engrenagem está OK.


A maldita engrenagem amarela... Ainda firme e forte.

 
CD-ROM...

Infelizmente o drive de CD-ROM do meu Macintosh TV morreu.
Já estava dando sinais da idade há muitos anos.
Mas eis que um dia ele queimou de fazer fumaça e um buraco na placa interna dele.

O drive de CD-ROM original do Macintosh TV é o Sony CDU561-25 (que a Apple chama de Apple CD-300i) com frente bege, o que causa até hoje, muita polêmica, mesmo que só a portinha para CD-Caddy é que fica aparente na frente do computador.
Portinha aliás, bem justinha para o tamanho do CD-Caddy, de modo que este computador, não aceita drives de gaveta porque fisicamante, ela não passa na ranhura do painel frontal.

Diz a lenda, que a Apple quis economizar dinheiro, usando o estoque que já tinha desses drives ao invés de mandar a Sony fazer uma versão especial com frente escura.

O pior, é que no Macintosh TV, os ÚNICOS drives de CD-ROM que servem nele são os Sony CDU561 (e variações -25, -10 e -1), bem como os gravadores de CD-ROM Sony CDU920S e CDU924S.

O motivo disso, é que o drive tem de ser montado numa bandeja que é encaixada no chassis principal e atrás, dele, encaixa-se uns "pentes" de contatos nos conectores.


Conectores do drive e "pentes" de contatos encaixados nele.


Para piorar, os conectores dos drives situam-se em cima, na parte traseira, enquanto que a imensa maioria dos drives de outros fabricantes (se não todos), têm esses conectores situados embaixo.

Desta forma, mesmo que esses "pentes" encaixem num drive "alternativo", ele não encaixará na "barra de contatos" dentro do chassis.


"Barra de contatos" - O conector dentro do chassis.

 

Um sintoma misterioso...

Infelizmente, meu Macintosh TV infelizmente AINDA tem um problema.
Às vezes ele se recusava a ligar. Volta-e-meia, nem dá sinal de vida.
Muitas vezes dá aquele som típico de falha de hardware...
Mas quando liga, funciona perfeitamente e nenhum problema detactável de jeito nenhum.

A primeira coisa que me veio à mente, é que eu tinha feito um adaptador para poder usar baterias CR2032 de 3V comuns no soquete da bateria 1/2 AA de 3,6V.

OK... Uma baita gambiarra para economizar dinheiro que à princípio, funciona muito bem na maioria dos computadores Macintosh.
Porém, o Macintosh TV exige mais corrente para que a PRAM não fique corrompida. Então, resolví tirar o escorpião do bolso e comprar uma bateria 1/2 AA de 3,6V (que deve custar umas 3x o preço de uma CR2032...


Bateria 1/2 AA de 3,6V. Ao lado, o botão de reset do CUDA/PROM.

Após longas sessões de troubleshoot pós troca de TODOS os capacitores eletrolíticos da placa analógica, encontrei esse capacitor de Polyester rachado.
Esses capacitores dessa marca, têm uma fama bastante grande de estourar do nada.


Capacitor RIFA rachado. Prestes a estourar.

Como troquei todos os capacitores eletrolíticos, tive de fazer pequenas correções em alguns ajustes de vídeo, seguindo (como sempre) rigorosamente as instruções do Manual de Serviço.


Ajustes de vídeo atrás da "placa analógica".


Para entender essas "sopa de letrinhas" aí, montei uma tabelinha para facilitar:

SC = Sub Contrast
GG = Green Gain
BG = Blue Gain
RB = Red Brightness
GB = Green Brightness
BB = Blue Brightness
VH = Vertical Height
HW = Horizontal Size
PB = Horizontal Bow (Pincushion)
KS = Pin Phase
HS = Horizontal Center*
VS = Vertical Center*
PR = Vertical Angle


* "Center" com "S"? Hahaha!😁
Curiosamente, só esses dois ajustes são acessíveis com a tampa do computador fechada.

No fim, APARENTEMENTE, o problema estava relacionado a um trim-pot (PP7) no canto da placa, que serve para ajustar a largura de pulso dinâmico de um dos chips de PWM da fonte chaveada.
Com o auxílio de um osciloscópio em DC, "espetado" no terminal K do OP22, ajustei de modo que o sinal ficasse o mais alto e "estável" possível (embora com alguma oscilação, ou bias, necessária ao funcionamento da fonte chaveada), mesmo quando o sistema exige mais carga (ou seja, com o HD funcionando).

Existe um outro trim-pot similar, mas como ele está lacrado e no meio da placa, bem embaixo do cinescópio, optei por não mexer nele.

Com esse ajuste, ainda se torna necessário aguardar um tempo após energizar o sistema (acionando a chave geral) para só então acionar a tecla power no teclado e efetivamente ligar o computador.
Se considerarmos que aquela chave geral traseira era apenas uma comodidade e cuja posição normal é sempre ligada, considero esse tempo de energização como normal.

Uma coisa que notei, é que se ele fica muito tempo (tipo um mês) sem ser energizado, o sintoma volta.

Fiz um adaptador para medir as tensões principais da fonte pelo conector do CD-ROM e notei que as tensões nessas condições são sempre muito baixas. Algo em torno de 10V e 4,5V.
No entanto, após cerca de 1h ligado, elas ficam normais, dentro das especificações, ou seja, 12V e 5V.

Um workaround: Se eu manter ele sempre energizado e liga-lo uma vez por dia, não dá problema nenhum. 

 


Para finalizar...

Segue um vídeo de um famoso colecionador feliz da vida por ter conseguido um Macintosh TV em sua coleção após caçar um desses por anos...
(Mas o meu está bem mais bonito de conservação. Hehehe! 😆)

Vídeo do canal Computer Clan (do colecionador "Crazy Ken"). 




Ah, e eu tinha de postar esta foto. Ô bicho bonito! 😁

Última revisão deste artigo: 25 de julho de 2025.

 

 

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