CCE MC-1000 - A história de um "monstrinho" misterioso
O ano era 1985. Eu tinha acabado de fazer meus dois primeiros cursos de Informática (Programação BASIC Nível I e Programação BASIC Nivel II, ambos voltados à linha TRS-80) e naturalmente eu precisava ter algum microcomputador disponível para praticar ou em pouco tempo eu esqueceria tudo o que tinha aprendido nesses cursos.
O problema é que naquela época, qualquer microcomputador, mesmo os mais simples, eram muito caros em relação ao potencial de benefícios que podíam oferecer.
Microcomputadores mais utilizados profissionalmente, como os compatíveis com TRS-80 (como o CP-500/M80C já bem comentado neste blog), ou os Apple II (que eu via com grande potencial para eu começar a explorar tecnologias de Computação Gráfica, que era meu sonho profissional na época) eram literalmente inalcançáveis para um garoto humilde que sonhava em ser pioneiro numa área que nem se "vaporizava" nas mentes das pessoas.
Quando eu falava essas coisas, era comum ouvir comentários tipo... "O quê? Computação Gráfica? O quê é isso? Computador desenha?"
Levou pelo menos uns 4 anos para as pessoas em geral começarem a entender o que eu estava falando, mesmo já estando acostumadas com a revolução dos videogames digitais computadorizados (sim... o Telejogo por exemplo era analógico) praticamente iniciada entre 1982 e 1983 com o "importabando" dos primeiros Atari 2600 e o lançamento no Brasil do videogame Odyssey2 através da Philips (no Brasil figurando apenas como "Odyssey" porque não lançaram o "Odyssey 1" oficialmente por essas bandas) seguido por uma campanha de marketing extraordinária através da Polyvox, em virtude do lançamento do Atari 2600 oficial, licenciado pela própria Atari (na época, uma empresa da gigante das mídias de entretenimento, a Warner).
Nesse cenário todo, "pipocavam" revistas e enciclopédias sobre Informática nas bancas de jornais bem como livros sobre o assunto nas livrarias, que as pessoas compravam para digitar os programas listados nesse material todo em seus microcomputadores pessoais, seja para aprender a programar em BASIC (a linguagem de programação que vinha gravado na ROM de 99% dos microcomputadores da época), seja para ter joguinhos similares aos dos videogames da época.
Mas como os microcomputadores eram insanamente caros, os mais populares eram os limitadíssimos "clones" brasileiros compatíveis com o Sinclair ZX-81, como o Prologica CP-200 e o extremamente popular Microdigital TK85. Tão popular que uns 80% de todos os programadores, técnicos ou profissionais de TI (que têm mais ou menos a minha idade), lembram dele como seu primeiro microcomputador pessoal.
Entenda como "limitadíssimos", computadores que eram praticamente apenas o microprocessador de 8 bits, uma memória ROM de 8 KB contendo BASIC e uma memória RAM de 16KB.
Isso mesmo! 16 quilobytes, ou seja, armazenavam o máximo de 16384 caracteres na memória.
Para vocês terem uma idéia do que isso significa, este texto digitado até aqui, tem pouco mais de cerca de 2KB, que era TODA a memória RAM original de um Sinclair ZX81.
Claro... Nem precisa dizer que essas máquinas sem expansões eram incapazes de gerar som gráficos que não se parecessem com "tijolinhos" espartanos na tela... em resolução de no máximo 43x83 pixels formados de caracteres especiais... em preto e branco. Ou seja, impossível estudar qualquer princípio de Computação Gráfica num "brinquedo" desses.
Havíam algumas opções um tanto "obscuras" como o Microdigital TK-2000 que lembrava vagamente um Apple II, mas que é incompatível com ele, sendo um clone do Microprofessor II, num gabinete imitando o Atari 1200XL (que nunca foi comercializado oficialmente no Brasil graças à uma maldita Reserva de Mercado para Microinformática em vigência na época.
Foi aí que a Indústria começou a clonar outras plataformas que pareciam uma evolução natural desse cenário, como o ZX Spectrum (o Microdigital TK90X) e o TRS-80 Color (o Prologica CP-400), para suprir a necessidade de um público que queria um pouco mais do que apenas experimentar o domínio de uns poucos pixels e letrinhas na tela.
E exatamente nesse cenário complexo aí é que a CCE resolveu entrar no jogo, com um misterioso microcomputador pessoal de baixíssimo custo, que todo mundo sabia que era claramente algum "clone" de alguma plataforma estrangeira, mas que ninguém tinha a menor idéia de qual era.
E é aqui que entra o "herói" desta postagem neste blog:
O "pequeno notável" da CCE parecia ser extremamente promissor para a época, sendo então (até onde eu me lembre) o segundo microcomputador pessoal que além do microprocessador central (o versátil Zilog Z80... Errr... Na verdade um Nec D780C que não passa de um Z80 com outro nome só para complicar), também tinha microprocessadores dedicados para áudio (o lendário General Instrument AY-3-8910, amplamente utilizado em microcomputadores de 8 bits e arcades) e vídeo (o Video Display Generator Motorola MC-6847). Desta forma, o MC-1000 tinha um poder de processamento e multimídia até bastante interessante para a época.
E a promessa da CCE era de fato, "devastadora": 3 canais de som, "alta resolução" (256x127 pixels, que era de fato enorme para um microcomputador dessa categoria na época), podendo exibir até 9 cores na tela (mas apenas 4 disponíveis em seu próprio "dialeto" da linguagem BASIC) e segundo a própria caixa do produto: "CP/M Compatível", o que encheu os olhos dos nerds de plantão já acostumados com o sistema operacional profissional padrão para a época, o poderoso CP/M 2.2, capaz de rodar planilhas como o SuperCalc2 ou editores de texto como o WordStar (que aliás, a versão 4 é utilizado até hoje por escritores como George R. R. Martin, autor de "Game Of Thrones").
O quê? Um microcomputador "entry-level" capaz de rodar CP/M???
A proposta da CCE era realmente muito boa. Mas boa demais para ser verdade.
E de fato, até hoje, mais de 3 décadas depois, nenhum MC-1000 rodou o sistema operacional CP/M.
Até porque para conseguir fazer com que um MC-1000 rode o dito cujo com as tecnologias existentes na época, seria necessário uma série de expansões.
A primeira delas, memória. 64KB era o padrão para CP/M e a CCE de fato, lançou a expansão EM-1000, mas ainda assim, não seria possível rodar CP/M no MC-1000 por conta do mapa de memória dele.
Essa expansão poderia ser facilmente substituída fazendo pequenas alterações na placa do microcomputador e trocando os 8 chips 4116 por 8 chips 4164.
A expansão de 64K CCE EM-1000.
A segunda, uma placa de 80 colunas, baseada no controlador de CRT Motorola MC-6845, que embora já fosse bem conhecido pelos usuários de Apple II e amplamente suportado tanto pelo hardware quanto pelo BASIC gravado na ROM do microcomputador, segundo a documentação original do MC-1000, foi uma expansão que nunca foi lançada nem pela CCE, nem por ninguém e nem existe (ainda) uma ROM com uma tabela de caracteres oficial para o MC-1000 poder usar o MC-6845.
Ao contrário do MC-6847 que tem seu próprio banco de caracteres (limitado a 64 caracteres (+os mesmos caracteres em modo inverso), que aliás, lembra muito a tabela de caracteres do código Baudot, que era usado nas primeiras máquinas de teletipo. (sim, a abreviação "TTY" para se referir a "terminais burros", veio dessa coisa, o "Teletype" e a palavra Baud, usada em telecomunicações, também.)
Apenas alguns poucos projetistas e desenvolvedores puderam experimentar esse recurso, embora sintetizado em modernas placas de desenvolvimento de hardware. (E usando a tabela de caracteres de placas que usam o MC-6845 como a Videx do Apple II.)
Se essa expansão tivesse sido lançada, o MC-1000 poderia suportar um segundo monitor apenas para 80 colunas.
E a terceira (e certamente mais cara), uma interface controladora com floppy drive, que pelo mapa de memória utilizado pelo BASIC do MC-1000, deveria ter uma opção para desativar a ROM do microcomputador, ativando em seu lugar, uma ROM específica dessa interface para que ele pudesse efetivamente bootar o CP/M do disquete, bem como usar os recursos de terminal nativos do MC-1000.
Interface essa que jamais foi lançada.
Para piorar a coisa, no final do ano de lançamento do MC-1000, chegaram os primeiros MSX brasileiros no Mercado: O Sharp/Epcom Hotbit HB-8000 e o Gradiente Expert XP-1. Ambos ainda sem interface de drive, que demorou uns dois anos para ser lançada no mercado, mas quando foi lançada, já rodava o MSX-DOS, um "CP/M" compatível em nível de arquivos com os computadores IBM-PC.
Aliás, um ano depois que os MSX chegaram, praticamente ninguém mais queria saber de comprar nenhuma outra plataforma de 8 bits no Brasil.
Isso levou a CCE a apelar na propaganda (enganosa, insistindo na narrativa de que ele era "compatível com CP/M"):
"Compatível com CP/M"? Aham... Sei.
Nessa altura do campeonato, muitos usuários de MC-1000 (inclusive eu), se sentíam enganados.
Os periféricos tão prometidos pela CCE como o cartão de 80 colunas e a interface de drive, como já dito aqui, jamais foram lançados e mesmo os colecionadores e entusiastas sofreram com o armazenamento em fitas cassette dos programas do MC-1000. Diga-se de passagem, o pior sistema de armazenamento em fita cassette de entre todas as plataformas que também usavam essa mídia para isso.
Dois dos 3 cassettes que geralmente vinham junto com o MC-1000.
Essa vergonha para a plataforma (já que outras que também inicialmente dependiam de cassettes já tinham outras soluções), perdurou até 2014 quando após muita insistência da comunidade de usuários do MC-1000 (eu, principalmente), o projetista Victor Trucco desenvolveu a interface BlueDrive para o MC-1000.
Em 2015, quando o primeiro lote de 5 interfaces foi lançado, eu que estava na lista de espera, fiquei muito satisfeito após sofrer mais de 30 anos com uma das piores interfaces de cassette que já fizeram para microcomputadores pessoais na História.
A segunda interface BlueDrive fabricada, é a minha. Valeu Victor!!!
Essa interface, um moderno leitor de pendrives já com expansão de 64K
para um microcomputador limitadíssimo como o MC-1000 representou um
salto absurdo no desempenho deste micrinho.
Ela consistia em:
- Uma placa principal, desenvolvida pelo Victor Trucco, contendo a SRAM UM61512AK-15, responsável pela expansão de 64K e um microcontrolador GAL22V10D 15LPN, infelizmente descontinuado em setembro de 2010;
- Uma EPROM 27128 de 16K contendo o BlueDrive OS (uma ROM modificada do MC-1000);
- Uma daughter board chinesa CH376EVT, cuja função é ser o leitor de pendrives USB propriamente dito (ou leitor de cartão SD, se algum programador fera se propôr a escrever isso).
A CH376EVT, a EPROM 27128 e a gloriosa placa do BlueDrive.
No entanto, para que o BlueDrive funcione, é preciso soldar um fio ligando o chip U29 (74LS125AN) da placa do microcomputador, ao pino 35 que já era reservado de fábrica para uso futuro (que ninguém sabia qual era).
A explicação para essa modificação é que o MC-1000 normalmente "boota" a ROM à partir de $C000 e essa modificação faz com que o BlueDrive "boote" a ROM à partir do endereço $0000.
Este mod, seria necessário a qualquer interface para MC-1000 que necessite bootar uma ROM externa (que poderia ser bem um bootstrap para CP/M, por exemplo)>
Me pergunto se já não deveria vir de fábrica. (A Prologica por exemplo, fazia mods similares aos montes nos computadores deles antes de pô-los no mercado.)
Será que isso pesou na decisão da CCE em nunca fazer a tal interface de drive, já que que os usuários teriam de fazer uma modificação no microcomputador?
Tá aí um dos muitos mistérios que envolvem essa plataforma.
O mod que deveria vir de fábrica.
E por falar em mistérios, um que certamente intriga todo usuário de MC-1000 é o encaixe para alto-falante no gabinete do microcomputador, o que sugere que era planejado haver uma saída de som pelo próprio gabinete, mas a idéia foi abandonada sabe-se lá em que fase da história da plataforma. (Que veremos mais tarde.)
O encaixe para um típico "PC Speaker" de 2 polegadas dentro do gabinete do MC-1000.
Seguindo com a história do MC-1000 no Brasil, a única interface de periféricos que a CCE fez para a plataforma, foi a IP-1000, uma controladora para impressoras paralelas.
Ela vinha numa caixa contendo a interface propriamente dita, um certificado de garantia, um folheto de intruções com o esquema da interface (com um bug) e um cabo próprio para conecta-la a uma impressora paralela.
O kit IP-1000 deveria vir com cabo, mas aparentemente muitas vieram sem ele.
Curiosidade: Durante os testes, publiquei uma foto que chamou a atenção do Alexandre Souza, que me disse... "Tem noção de que nessa foto aí você tem provavelmente o único MC-1000 do mundo com essa configuração?"
Cara... Não é que ele tinha razão?
Meu MC-1000 com uma raríssima IP-1000 original e o segundo Blue Drive fabricado.
Aí, em 2013, para tentar desviar minha mente da pior crise depressão que já tive (e que duvido que algum dia eu consiga me recuperar), resolví comprar um MC-1000 e voltar às minhas orígens. Foi aí que comecei a colecionar microcomputadores antigos.
Nessa época, postei com certa relutância, um workshop sobre como eu fiz essa modificação, mas havia um problema que me incomodava: O espaço interno, espremia os conectores, de modo que tive de entorta-los e ainda assim, o resultado não agradou.
Mas neste caso, tive de abrir uma exceção, por questões de impossibilidade física.
Então usei um truque que já serviu para salvar muitos controles remotos e teclados de telefone: regrafitar esses contatos esfregando pó de grafite neles.
Vamos ver se dura desta vez.
E descobrir para que serve cada ajuste só "de olho" pode não ser uma tarefa tão simples. Então resolví documentar aqui.
Convém lembrar de usar chaves apropriadas para esses ajustes, evitando o uso de chaves metálicas pois elas vão interferir no sinal.
O modulador de RF dos MC-1000 "série A" (canal 13 VHF).
Legenda - Lado de cima:
1 - Esse minúsculo trim-pot altera visivelmente a convergência dos pixels exibidos na tela (mais visível na saída monocromática). Se muito fora do ponto ideal, nem gera imagem. Se levemente desajustado, os "0" representados na tela, por exemplo, vão parecer mais "gordos" de um lado do que do outro.
2 - Ajuste do cristal. Você pode sentir alguma leve diferença de cores mexendo nesse ajuste.
3 - Ajuste da sintonia do sinal de RF. É aqui que você ajusta o sinal para o máximo de nitidez. Recomendo usar um bom televisor de tubo com sintonia digital "travada" no canal 13 com sintonia fina em "zero" antes de ajustar esse cara.
4 - Ajuste de portadora de som. Aqui, o ponto ideal é o mínimo de ruído de fundo com o máximo de nitidez do som do seu MC-1000.
Legenda - Lado de baixo:
4 - O mesmo ajuste de som da figura anterior.
5 - Esse trim-pot é o responsável pelo ajuste de cor e contraste. O ajuste ideal é fundo bem verde e letras bem contrastadas (modo texto).
Cuidado com esse ajuste. Valor muito alto por muito tempo, pode danificar o trim-pot. (eu tive de trocar o meu).
6 - Sem função aparente em nenhuma das duas saídas. (Mas aposto que serve para alguma coisa. Esses trimmers eram caros na época!)
7 - Sincronia horizontal. Em modo HGR, as bordas laterais ficam instáveis se o ajuste estiver mal-feito.
O Gem 1000 Junior Computer Charlemagne 999. Nenhum "sobreviveu" para contar a história.
Dizem que este computador foi comercializado na Bélgica pela VDI (Video Direct International) entre agosto de 1983 até final de 1984, o que bate com o tempo de lança-lo no Brasil no começo de 1985.
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