Commodore MPS1270A: A primeira impressora à jato de tinta comercializada no Brasil?

Qualquer um que tenha estudado (ou como eu, vivenciado) os primórdios da História da Microinformática no Brasil, certamente lamenta que a pioneira Commodore Business Machines (assim como Sinclair, Apple, Tandy/Radio Schack, entre outras marcas) oficialmente jamais tenha comercializado seus produtos aqui em terras tupiniquins antes de 1991 quando à mais imbecil de todas as leis que já inventaram supostamente para "proteger a Indústria Nacional" que acabou é estimulando o contrabando (inclusive por parte da própria Indústria Nacional), tornando-a absolutamente incapaz de competir com a qualidade ou com os preços oferecidos pelas marcas estrangeiras no resto do mundo fosse finalmente revogada, em 1991. deixando o Brasil com um lamentável vácuo tecnológico de 7 anos, justamente quando o Mercado Internacional de Microcomputadores estava tendo seu "boom" global, causando um prejuízo tecnológico, industrial e principalmente, cultural que não foi recuperado até hoje.

No ano seguinte, a PCI Componentes da Amazônia, Ltda (que entre outras ramificações era dona da TecToy), conseguiu a licença da marca "Commodore Electronics Limited" para montar e comercializar 5 de seus produtos no Brasil (os computadores Amiga 600, Amiga 1200, Amiga 3000 e Amiga 4000 e a impressora Commodore MPS1270A), pouco antes da falência da Commodore, em 6 de maio de 1994.

Neste artigo, vamos focar nesta impressora, a Commodore MPS1270A.
Uma impressora cuja documentação mesmo nos manuais oficiais, tanto os estrangeiros quando o nacional (traduzido claramente às pressas), deixou muito à desejar principalmente quanto à configuração da mesma, logo o tópico mais importante, de modo que essa pequena impressorinha (medindo apenas 36 x 23 x 8cm e pesando cerca de 2,5kg sem a fonte externa), mesmo sendo de longe a mais silenciosa do mercado (por ser uma das primeiras jato-de-tinta à aparecer por essas bandas), não ficasse tão popular quanto se esperava.

E ela não era apenas silenciosa. Era também bastante rápida para uma impressora de uso doméstico/profissional leve, comparada a outras impressoras da mesma categoria disponíveis na época, podendo alcançar até 160 caracteres por segundo em modo draft, ela ultrapassava a profissionalíssima Epson LX-810L em modo "Normal Draft" que era de 150 caracteres por segundo, embora não conseguisse superar seu modo "High Speed Draft" de 200 caracteres por segundo. Porém, A Epson LX-810L era bem maior, usava a tradicional tecnologia matricial (que praticamente caiu em desuso com o tempo por causa do barulho), bem mais pesada e só tinha 9 agulhas ao invés de 12 furos para "cospir" tinta no papel.


Detalhe do painel: "Impressora à jato-de-tinta de alta qualidade".


A primeira aparição de um anúncio com essa impressora de que me lembro, foi nas páginas 12 e 13 da revista CPU Amiga "Ano 1, No. 05". (Odeio essa mania dos editores dessas revistas que nunca publicavam nem o ano, nem o mês, só para complicar a vida dos historiadores. Mas como eu fiz a lição de casa, o ano foi 1992.)
Porém, nesta mesma revista, na página número 4, diz que o primeiro anúncio, foi de 3 páginas com produtos da marca Commodore, que foram publicados na revista "Veja" de 20 de dezembro (de 1992).
O preço dessa impressora apareceu num anúncio de 3 páginas (11, 12 e 13) da revista CPU Amiga "Ano 1, No. 07". Custava US$399,00, em Dólar Comercial, sem ICMS. Isso mesmo. Dólar, porque vivíamos uma inflação que inviabilizava estipular preços em Cruzeiros (a moeda corrente no Brasil na época) para produtos importados.


Etiqueta original embaixo da impressora.
 

Eu já tive várias impressoras à jato-de-tinta. Todas elas me encantaram num primeiro momento e me fizeram odia-las profundamente com o tempo.
Todas, sem exceção sempre me decepcionaram profundamente quando eu mais precisei delas, de modo que não morro de amores por essa tecnologia e não recomendo impressoras à jato de tinta para ninguém.

Agora, se você é  uma pessoa que compra uma impressora puramente descartável para executar um trabalho que a pague, dê algum lucro e depois vá jogar a dita cuja em algum "ecoposto" para ela não virar totalmente poluente tóxico, bom... A vida é sua e a de seus descendentes dependerão do que você fizer com ela.

É sério.
Jato-de-tinta é uma tecnologia de impressão barata, que consome cartuchos de tinta muito caros, que volta-e-meia vaza tinta por algum lugar para sujar suas mãos, a impressão borra com facilidade, pode desbotar fácil com o tempo (dependendo do papel, qualidade da tinta, entre outros fatores), e quando a impressora tem alimentação de tinta sem ser por cartuchos, a cabeça de impressão pode entupir, queimar, se corroer...E se você deixar ela parada por muito tempo, ao ligar, ela faz aquele maldito ritual de puxar tinta para um reservatório com um "mata-borrão" escondido nas impressoras de modo que metade da tinta que você compra no final das contas, entre esse "ritual" e tentativas frustradas de desentupimentos, vai parar nele.
Peguei tanta raiva de impressoras jato-de-tinta, que prometí a mim mesmo, nunca mais comprar uma impressora que use esse tipo de tecnologia.

Porém, eu ganhei uma Commodore MPS1270A. Uma jato-de-tinta que se comporta como uma impressora matricial, sem aquele maldito "ritual" (ligou, tá pronta pra imprimir, sem frescura) e tem um pequeno encaixe na "área de descanso" da cabeça de impressão, para prender um pequeno mata-borrão (que o manual estrangeiro chama de "blotting pad" e o brasileiro de "almofada de tinta") descartável (que acompanha todo cartucho de impressão novo) que mede apenas 17,7 x 8 x1,17 mm, tornando esta, a impressora à jato-de-tinta mais honesta e prática que já ví.


O minúsculo mata-borrão e o local para encaixa-lo.


Senta que lá vem história...

Acho justo contar como essa impressora chegou até meu laboratório antes de contar como foi o trabalho de restauração da mesma.
Tudo começou com o grande amigo Carlos A. F. Dagnone (a quem considero um irmão há décadas), me contactando que tinha um amigo aqui na região que queria se desfazer de uma impressora Commodore e se eu me interessaria em pega-la para mim.
Eu nem pensei duas vezes. Impressora Commodore, qualquer que seja o modelo, é raríssima no Brasil, imaginando que seria uma linda MPS-801, que apesar da bela aparência, era uma matricial monodirecional leeeeeenta pra caraca e já estava tentando imaginar como conseguir cartucho de fita de impressão para ela.
Seja lá qual fosse o modelo, ficaria linda conectada ao meu Commodore Amiga 500.
Bom... Então o doador veio... Um cara sensacional chamado Cristiano Paolo Vidotto Bernardo, a quem deixo aqui um agradecimento pela doação. Sem ela, esta postagem não teria sido viabilizada.

Bom... Quando ele trouxe a impressora, fiquei surpreso, porque se tratava do último modelo de impressora que eu me lembre que a Commodore produziu.
Ele também incluiu na doação, um Expert MSX 1.1 bastante "surrado" que era para mandar para o Carlos, lá em Laranjeiras do Sul.
Eu disse que restauraria ambos antes. Mas como o foco deste artigo é a impressora, só vou falar só dela desta vez.


Como ela chegou...

Como já era de se esperar, ela chegou bem suja, carente de um bom trato.
Não ligava, não tinha a fonte de força e o manual estava comido pelas traças.
Típico aparelho que essas gerações mais novas que não conhecem, nem querem conhecer, simplesmente descartariam como sucata.
(Lamentavelmente, graças a esse tipo de "cultura", hoje não temos sequer um exemplar "sobrevivente" de algum computador Brascom para mostrar que o Brasil fabricava computadores e periféricos nos primórdios da Microinformática. E por muito pouco, o mesmo não valeu para outras marcas como Labo, Scopus, Racimec... Querem apagar nosssa História para que sempre achemos que só no exterior é que se faziam dessas coisas?)


Essa impressora já viu dias melhores, com certeza.



Havía uma estranha "fuligem" cobrindo ela toda.



Tinha indício de tinta vazada também além de fungos nas borrachas dos tracionadores de papel (e o direito, completamente travado).


Ela tinha um exótico cartucho de tinta azul instalado nela, porém estava completamente inutilizável.
Com os contatos cheios de tinta e com a placa de impressão corroída.


O cartucho de tinta (corroído) que veio nela: Bom pra fazer Engenharia Reversa.


Uma coisa que chamou minha atenção enquanto eu estava fazendo essas fotos, é que essa impressora, tem o conector DIN-6 de porta serial half-duplex assíncrona proprietária da Commodore, o que a torna retro-compatível com toda a linha Commodore 64, Vic-20 e se bobear, até o Commodore Pet... E que o manual brasileiro nem cogita citar sua existência.



Uia! Esssa tem porta serial proprietária da Commodore!


Ao tirar a tampa para começar a desmontar para lavar as peças plásticas, de cara, já saquei por quê ela não ligava.
Estava faltando um fusível de 2A.
E um barulhinho de algo solto dentro dela foi revelado: Era só o adesivo de um dos motores que descolou com o tempo.


Fusível faltando e etiqueta passeando...


Para encurtar a história, conforme fui desmontando, fui encontrando outros tipos de sujeira como já era de se esperar, bem como alguns pequenos pontos de ferrugem para reparar.
Com tudo desmontado... Vamos começar a restauração...


Restaurando...

Sabem de uma coisa? Eu detesto trabalhar em aparelhos sujos, de modo que sempre que pego um aparelho assim, faço o possível para lavar ou limpar tudo o que posso neles.
E levo esssa parte muito à sério.
Mexer com Eletrônica suja em aparelhos sujos não dá gosto. Não dá vontade.
E nós, colecionadores, não somos acumuladores de sucata não.
Somos responsáveis por contarmos a História mostrando as evidências de como as coisas eram, da melhor forma que pudermos.


Cada peça plástica foi lavada, limpa e siliconada.


Certas peças, só desmontando para limpar a sujeira e a lubrificação velha.


Com peças limpas, o nível é outro.


Com as peças todas limpas e quase todas já montadas na parte de baixo da caixa (que é como o "chassis" da impressora toda, começaram os desafios.

Passei algumas horas tentando destravar um dos rolos de tracionamento de papel.
Ele estava incrivelmente emperrado.


Aplicando penetrante/lubrificante para tentar destravar o rolo tracionador.
 

O motivo do travamento era esse: ferrugem. Muita ferrugem.
A ferrugem tinha "crescido" dentro do rolo de tracionamento, fazendo volume, que o impedia de deslizar normalmente para os lados de modo que o papel pudesse ser ajustado corretamente para impressão.


Tentando raspar o grosso da ferrugem com uma lâmina antes de lixar.


Usei uma lixa de unhas para lixar essa ferrugem daí, com um pouco de óleo.
Esse tipo de lixa tem a vantagem de ter uma base "sólida", que dá apoio em locais de difícil acesso.


Lixa de unha com óleo.


Mas não bastaria lixar com óleo e limpar aquela meleca toda.
Eu precisava pôr alguma coisa que dificultasse o surgimento de mais ferrugem, sem fazer volume.
O que eu tinha em mãos no momento foi grafite.



Grafitando a área corroída.


Com tudo lavado, destravado, limpo, lubrificado, re-montado de volta no lugar, pús um fusível que faltava, arranjei uma fonte chaveada de 9V 2A (bem mais leve, compacta e confiável que a original) e... Maravilha!
Ela começou a dar sinal de vida!


Outro aspecto, né? Oh, o quê um pouco de carinho não faz...?


Mas como o cartucho que veio com ela estava inútil, tive de encomendar outro.

Essa impressora usa os mesmos cartuchos que usavam aquelas máquinas "Pertocheck" de preencher cheques (HP 51604A, ou RI-51604A) de modo que eu pensei que seria mais fácil de achar, mas além de difícil, estavam todos muito caros e resolví arriscar comprar um com prazo de validade vencido.

Enquanto ele não chegava, resolví estudar mais detalhes técnicos da impressora.
"Ripei" a ROM dela para a posteridade e mapeei os pinos do conector CN7, cujo cabo (aqueles maltitos cabos-membrana que podem se romper facilmente se não tomarmos cuidado extremo com eles)...


Acrescentei essa fita adesiva azul aí para reduzir as chances de romper o cabo por acidente.


Pinagem na placa (CN7):

14 13 12 11 10 09 08 07 06 05 04 03 02 01
[] [] [] [] [] [   ] [] [] [] [] [] [] []

Nota: 8/9 = GND


Pinagem para encaixe do cartucho de tinta:

8/9 []  [] 9
8/9 []  [] 6
10  []  [] 3
11  []  [] 4
14  []  [] 1
13  []  [] 2
12  []  [] 3


Bicos de impressão:

[] 9
[] 6
[] 3
[] 4
[] 1
[] 2
[] 3
[] 12
[] 13
[] 14
[] 11
[] 10


Creio que não preciso me aprofundar demais aqui sobre os princípios de funcionamento de uma impressora à jato de tinta. Em todo caso...
Na cabeça de impressão, existem os furos por onde a tinta sai para o papel.
Cada furo desses é separado um dos outros por uma guia de modo que eles sejam fisicamente isolados uns dos outros.


O "chip" (corroído) do cartucho de impressão, visto por tŕas: É possível ver os furos e as guias.

E cada um desses furos tem uma resistência elétrica atrás dele, que quando acionada, aquece a tinta entre a resistência e o furo, expulsando uma bolha de tinta através do furo.


Detalhe da cabeça de impressão do cartucho de tinta: É possível ver os pontos mais escuros (resistências) onde ficariam os furos do "chip" exibido na foto anterior.


Instalando (corretamente)...


Finalmente o cartucho (com prazo de validade vencido há 12 anos) chegou!


A embalagem, um folheto com instruções e um potinho de alumínio com o cartucho dentro.



Dentro do potinho vem o cartucho lacrado e um mata-borrão novinho.



Eu já tinha feito alguns testes com a impressora usando o cartucho corroído que tinha vindo com ela, de modo que era uma incógnita se um cartucho com prazo de validade vencido imprimiria alguma coisa, mas... Com o cartucho e o mata-borrão devidamente instalados, o primeiro auto-teste foi bastante satisfatório.

http://
O primeiro auto-teste. Imprimiu lindo! O título com qualidade "Draft" e o resto em "Letter Quality".



Detalhe do título em modo "Draft".


O manual da impressora Commodore MPS-1270 tem uma documentação muito ruim sobre como configurar corretamente os dip switches da mesma, de modo que gastei um bom tempo fazendo este infográfico como "guia de configuração rápida".
(Que pode ser baixado em versão vetorial do Datassette, junto com um dump da ROM da impressora.)


Um trabalho essencial que a Commodore não fez.


Notemos que como essa impressora tem duas interfaces, a comunicação de dados nelas é completamente diferente, como se fossem duas impressoras completamente diferentes.

Se selecionada a interface serial (proprietária da Commodore e completamente incompatível com outras seriais "padrão", usando conector DIN-6), ela é uma impressora compatível com os computadores antigos da Commodore, como o C64 ou Vic-20, inclusive disponibilizando o banco de caracteres "PETSCII", oriundo do Commodore Pet, além do tradicional ASCII.


A pinagem do conector serial... que não consta no manual brazuca.


Porém, se selecionada a interface paralela (conector Centronics IEEE-1284 "padrãozão"), a impressora pode funcionar emulando uma clássica Epson FX 80 (podendo aceitar até 3 variações de configurações diferentes dela) ou uma IBM ProPrinter, o que faz com que essa impressora seja compatível com praticamente qualquer computador que tenha uma saída para impressora paralela.

Embora essa impressora aceite comandos gráficos (e num sistema operacional moderno e poderoso como o Linux Mint ou o popular Windows 11, por exemplo, bastaria selecionar a porta LPT1 e o driver "Epson 9-pin" que ela imprimirá em modo gráfico de boas), o grande barato dessas impressoras é usa-las em modo texto, sobretudo em microcomputadores antigos como Apple II, CP-500, ou MSX ou MC-1000.


Última revisão deste artigo: 14 de janeiro de 2023.

Comentários

Postagens mais visitadas: